Livros reeditados pela FFLCH recordam os acontecimentos na sede da Maria Antônia

No dia 3 de outubro, a Faculdade lançou dois livros que relembram os 50 anos da famosa batalha e os tempos vividos no local, parte importante de sua história

Por
Eliete Viana
Data de Publicação



Matéria atualizada em 09/10/2018, às 19h59

 

capas dos livros

No dia 3 de outubro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP retornou a sua antiga sede na Rua Maria Antônia – onde hoje funciona o Centro Universitário Maria Antonia (CEUMA) – para realizar os lançamentos e debates de duas importantes obras: Livro Branco sobre os Acontecimentos da Rua Maria Antônia - 2 e 3 de outubro de 1968 e Maria Antônia: Uma Rua na Contramão.

Com as reedições dos livros, a Faculdade relembra os 50 anos da batalha da Maria Antônia e também suas histórias e memórias no local, quando era denominada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL). Foram impressos 50 exemplares de cada livro, em edição especial numerada, destinados aos muitos autores dos textos. A impressão definitiva de mil exemplares de cada volume será lançada em breve, contendo os debates realizados nesta data.

Os lançamentos integram a programação da série de eventos Ecos de 1968 – 50 anos depois, que acontecem de 2 a 5 de outubro, no CEUMA, com a organização da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, da Superintendência de Comunicação Social da USP e da FFLCH.
 

diretora Maria Arminda do Nascimento Arruda e vice-diretor Paulo Martins
A diretora da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, e o vice-diretor, Paulo Martins, durante abertura do evento - Foto: Fábio Nakamura / STI-FFLCH


Crônica 

Apesar de ressaltar que “não há o que comemorar em uma tragédia”, referindo-se à batalha da Maria Antônia, a qual teve a morte de um estudante secundarista e dezenas de feridos, a diretora da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, destaca que os lançamentos dos livros têm o papel de rememorar e relembrar os acontecimentos.

“O Livro Branco é notável, porque faz uma crônica dos acontecimentos daquele período na Rua Maria Antônia, que foram o prenúncio da repressão que estava por vir com o AI-5 [Ato Institucional número 5, promulgado em 13 de em dezembro]. Rememorar tudo isso é falar de coisas que não podem ser esquecidas, para evitar que elas possam ocorrer novamente. Por isso, o evento de hoje marca uma crença em um projeto de Faculdade e de Universidade, que deve ter formação densa, séria e crítica, ressaltou na abertura.

O primeiro lançamento e debate da noite foi sobre o Livro Branco sobre os Acontecimentos da Rua Maria Antônia – 2 e 3 de outubro de 1968, que é um relatório, datado de 6 de novembro de 1968, elaborado por uma Comissão de professores, nomeada pela Congregação da então FFCL.

Um dos organizadores da obra, Abílio Tavares, assessor para projetos especiais da FFLCH, esclareceu que é uma reedição ampliada com documentos anexos que não estavam presentes anteriormente.

Este material tinha desaparecido misteriosamente após ter sido entregue às autoridades da Universidade. Mas, uma cópia da documentação, no entanto, sobreviveu por iniciativa do relator da comissão, o professor Antonio Candido, que a guardou até 1988, quando a primeira edição foi publicada, e depois o confiou à Irene Cardoso, que era aluna da FFCL na época e tornou-se pesquisadora do tema.
 

Carlos Alberto Dantas_André Singer_Irene Cardoso_Abílio Tavares
(Da esq. p/ dir.) Os 50 anos da batalha da Maria Antônia foram abordados por Carlos Alberto Barbosa Dantas, André Singer, Irene Cardoso e Abílio Tavares - Foto: Fábio Nakamura / STI-FFLCH


Para falar a respeito do contexto que o livro retrata, foram convidados Carlos Alberto Barbosa Dantas (Caio), um dos integrantes da comissão formada em 68 para apurar o ocorrido, e Irene, que atualmente é professora aposentada do Departamento de Sociologia da FFLCH, com mediação do professor do Departamento de Ciência Política da FFLCH André Singer.

“A batalha ficou reduzida a este tipo de redução: uma disputa entre alunos da USP e do Mackenzie. Mas foi maior que isso”, afirmou Irene, lembrando que os acontecimentos tiveram muitas consequências para o país, como o endurecimento da ditadura e a repressão, e para a Faculdade, que mudou-se para a Cidade Universitária e na reforma universitária perdeu as áreas de Ciências e Biológicas para a formação de outros institutos da USP.

Dantas recordou que estava sendo realizada uma sessão da Congregação da Faculdade quando ela foi atacada no dia da batalha. E contou que o relatório produzido na época foi impresso em forma de boletim, sem a pretensão de transformá-lo em livro.

Essencial

A segunda obra lançada no dia foi Maria Antônia: Uma Rua na contramão, organizada e publicada há 30 anos pela professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Maria Cecília Loschiavo Santos. No lançamento da reedição, a docente ressaltou a relevância que o livro mantém ainda hoje, o qual reúne o depoimento de 31 personalidades sobre a FFCL, na Rua Maria Antônia, entre 1948 e 1968.
 

Franklin Leopoldo e Silva_Marilena Chaui_Maria Cecília Loschiavo_Adélia Bezerra de Menezes
(Da esq. p/ dir.) As lembranças sobre os tempos vividos no prédio da Maria Antônia foram recordados pelos professores Franklin Leopoldo e Silva, Marilena Chaui, Maria Cecília Loschiavo dos Santos e Adélia Bezerra de Menezes - Foto: Fábio Nakamura / STI-FFLCH


“A leitura dos textos continua sendo essencial para a compreensão do papel da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na vida brasileira e para entender as transformações ocorridas na sociedade. Além de contribuir para que uma nova geração de alunos e pesquisadores encontre nos relatos novamente um caminho para criação e libertação, ainda mais nos tempos difíceis que estamos vivendo”, afirmou.

Além de Maria Cecília, outros três autores e também professores da FFLCH fizeram comentários durante o lançamento. A professora Adélia Bezerra de Menezes agradeceu a iniciativa da diretora da Faculdade em relançar os livros, pois “recordar é também existir, recolocar no coração e resistir através da memória. A Rua Maria Antônia foi um espaço de mudança, de revoluções e por isso, para mim, este rito é uma volta às origens”, disse muito emocionada.

“Acho extremamente oportuno o relançamento dos livros, que podem servir para mostrar que a Faculdade não foi transferida, mas sim expulsa [da Rua Maria Antônia após a batalha] para sermos escondidos na Cidade Universitária”, destacou o docente Franklin Leopoldo e Silva.

Segundo ele, tudo isso ocorreu com o objetivo de desconstrução política de tudo aquilo que podia ameaçar o poder. “Esses livros devem ser colocados nas mãos dos mais jovens para que tenham conhecimento de tudo que aconteceu [e assim não deixarem repetir os fatos]”, sugeriu.

A professora emérita Marilena Chaui contou que a instalação da FFCL na antiga sede significava estarem [os alunos e professores] inseridos no centro da cidade e de tudo que ocorria na vida cultural e política. Para a filósofa, os livros lançados são importantes para as pessoas conhecerem melhor a história do país.
 

público presente
O público lotou o Salão Nobre do prédio da Maria Antônia para conferir os lançamentos - Foto: Fábio Nakamura / STI-FFLCH


“Eles não fazem ideia não só do que aconteceu, mas do que pode acontecer. [Os livros são] um alerta cultural, político e histórico para os jovens, do que significa entrar num processo de servidão voluntária”, avisou Marilena. 

Após as falas de alguns autores dos livros, foi aberto o debate ao público, composto de muitos ex-alunos que frequentaram o prédio da Maria Antônia, alguns dos quais também se tornaram professores da Faculdade, além de alunos da USP de hoje.

Os comentários relembraram a convivência que existia na época entre os alunos e também reforçaram a importância do conteúdo dos livros serem compartilhados com a sociedade atual.