Primeiro encontro do Ciclo de Jornadas aponta a importância de um olhar mais humano e social sobre saúde mental

O tema geral que deu início ao evento, no dia 1º de setembro, foi saúde mental e pandemia. As atividades continuam no dia 14 e terminam no dia 29

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Eliete Viana, com colaboração de Matheus Augusto Oliveira
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A necessidade de políticas institucionais para o acolhimento e inclusão, a importância de olhar o lado humano da saúde mental, e a integração entre saúde mental e saúde física foram destaques das conversas do primeiro encontro do Ciclo de Jornadas Saúde Mental, Saúde Física e Educação em Tempos de Pandemia, realizado em 1º de setembro, no período da manhã, tarde e noite.

Na abertura, o diretor da FFLCH, Paulo Martins, falou sobre a motivação inicial - após casos de suicídio ocorridos no primeiro semestre de 2021 envolvendo estudantes da Faculdade - e o objetivo do evento, que faz parte do FFLCH PELA VIDA, um conjunto de ações relativas à saúde mental voltadas ao acolhimento da comunidade de estudantes, docentes e servidores técnico-administrativos da FFLCH. 

A vice-diretora da FFLCH, Ana Paula Torres Megiani, aproveitou para destacar que o evento é mais um dos desafios à frente da gestão da FFLCH neste quase um ano da atual Direção, que assumiu em 26 de setembro de 2020. E, o pró-reitor de Graduação da USP, Edmund Chada Baracat, parabenizou a FFLCH pela iniciativa de realização do evento e ressaltou a participação de diversas Unidades de Ensino e Pesquisa da USP - o Ciclo de Jornadas tem apoio da Faculdade de Educação (FE), Faculdade de Medicina (FM), Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU); e Instituto de Psicologia (IP); além de contar com a participação de convidados de instituições externas.

Mesa 1

Às 10h30 da manhã, foi realizada a primeira mesa do dia com o tema Relações étnico-raciais e a inclusão na universidade. “É uma questão muito importante e que falamos muito pouco dentro da universidade”, lembrou a coordenadora da mesa, a professora Márcia Lima, do Departamento de Sociologia da FFLCH, que acompanha há quase 20 anos as questões de políticas de ações afirmativas. O convidado foi o professor Alessandro de Oliveira dos Santos, do IP, o qual desenvolve pesquisas de ensino e extensão dentro do tema raça e etnia e a vulnerabilidade. 

Santos comentou que a universidade aumentou a presença de negros entre os seus estudantes, principalmente por causa das cotas. E, apesar de haver poucos docentes negros na USP, cerca de 120 em um quadro formado por quase 5.400, a instituição já avançou porque antes o número era bem menor.  

Mas, segundo o docente, este aumento da presença de negros não é acompanhado nas bibliografias dos cursos, por exemplo, porque é importante aumentar as referências de autores negros e indígenas não só em cursos e disciplinas sobre questões raciais, mas em outras áreas, visto que negros e indígenas pesquisam e falam de outros assuntos também.

Voltando às políticas de ações afirmativas, Santos alerta que é necessário "parar de ficar só olhando pros cotistas, comparando rendimentos". Pois, é preciso garantir acesso à universidade. “Não é só por pra dentro, tem que garantir a permanência e a titulação, conclusão do curso com êxito, o que chamo de sucesso acadêmico”. Para isso, é necessário juntar fatores individuais mais programas de incentivo da instituição, o que expressa uma satisfação da vida acadêmica. "A universidade tem de incluir se transformando também", frisa Santos.

Para exemplificar sua fala, o professor apresentou dados preliminares de sua pesquisa Limites e possibilidades para o bem viver de estudantes negros em instituições de ensino superior, feita com quase 700 alunos, que pode ser conferida no blog Bem Viver USP.

Política institucional de inclusão 

De acordo com o professor, para uma efetiva inclusão e acolhimento na universidade, há a necessidade de políticas institucionais, sendo assim ele propôs a criação na USP de uma Pró-Reitoria de Ação Afirmativa e Assistência Estudantil, com o objetivo de as ações e os processos de inclusão e integração, para deixar nítido como a universidade se movimenta para realizar esta inclusão, o que não seria atendido com a criação de um centro ou núcleo apenas, porque não tem poder de decisão ou verba, segundo ele. E, ao final, questionou a universidade: “Se trata de integrar a universidade ou de transformar a universidade?”.

Complementando a apresentação, a professora Márcia aproveitou para falar um pouco sobre o Programa de Acolhimento aos Estudantes Cotistas (PAECO) da FFLCH, da qual é a atual coordenadora, que visa a promoção de iniciativas de combate ao racismo e de inclusão dos estudantes negros e periféricos na universidade. No momento, há dois conjuntos de ações: estão gravando uma série de podcast que serão apresentados em breve e estão organizando uma pesquisa dentro da FFLCH, a qual tem o intuito de criar um modelo de avaliação das políticas afirmativas. 

“As ações afirmativas não se resumem a reservas de vagas! (...) "E reservar vagas não é mudança institucional”, enfatizou Márcia, para dizer que concorda com a proposta apresentada antes pelo professor do Instituto de Psicologia. 

Márcia comentou que os alunos ingressantes pelas políticas de ações afirmativas estão sendo atores ativos dentro da universidade e por isso querem ver o tema de gênero, racial nos currículos e debates dentro da instituição também e exigem isso da instituição. Segundo ela, a mudança nas universidades não está sendo somente racial, mas também social, pois está aumentando o número de estudantes brancos pobres.

"A mudança institucional passa pelo o que eu digo sobre pobres e negros dentro da sala de aula, de incluir pesquisadores negros. O aluno precisa se enxergar neste espaço, porque se não a gente vai ter de lidar mais com o sofrimento. A gente inviabiliza os problemas raciais e sociais nesta pandemia. A gente precisa enfrentar o tema da invisibilidade”, destacou.

Confira, abaixo, a apresentação completa e o debate da mesa 1.
 


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Mesa 2

No período da tarde, foi a vez de se debater o tema Saúde Mental em Tempos de Pandemia, que reuniu convidados da área de psicologia, educação e psiquiatria, com coordenação do professor José Ricardo Ayres, da Faculdade de Medicina (FM) da USP. 

A primeira participação foi do professor Marcos Roberto Vieira Garcia, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que criticou a medicalização das doenças mentais, porque a saúde mental tem de ser vista pelo olhar dos direitos humanos também para não ficar somente na questão da medicação, que reduz o sofrimento mental a algo simplesmente biomédico. Pois, há determinantes sociais do sofrimento mental. Porém, Garcia fez questão de lembrar que embora critique essa prática não nega a psiquiatria nem a ideia de doença mental.  

A pesquisadora da UFSCar Fabiana Midori Oikawa, e que também é funcionária da Seção de Assistência Social, Saúde e Esportes Campus Sorocaba da universidade, apresentou uma pesquisa que realizou com/sobre o estudante universitário neste período de pandemia. 

Entre as questões apontadas pelos alunos estão: as queixas relacionadas ao desempenho acadêmico, à dificuldade profissional e sobre constituir amizades; dificuldades acadêmicas; problemas familiares; dependência financeira dos pais; saudades da família; angústia dos calouros que não conhecem seus colegas; a solidão; os veteranos com responsabilidade aumentada se sentem obrigados a trabalhar; responsabilidade aumentada por causa de morte e/ou adoecimento de parentes devido à pandemia; pressão para acompanhar o curso; colocam em dúvida o aprendizado que tiveram até agora, estudantes que estão prestes a se formar estão com medo de não entrar no mercado de trabalho.

Fabiana revelou que a relação da universidade com os estudantes está abalada, pois institucionalmente a universidade cobra os alunos tanto ou até mais do que durante o ensino presencial. Além disso, estudar e trabalhar em casa não significou maior produtividade.

Pois, o clima dentro da casa de muitos alunos não é preparado para fornecer espaço adequado para que ele possa desempenhar suas atividades diárias relacionadas ao ensino virtual/remoto e teletrabalho/home office, tanto na questão de espaço físico quanto na questão de privacidade.

"Como mantemos a saúde mental?", indagou Fabiana após a exposição dos dados, para logo em seguida dizer que é preciso pensar numa política de saúde mental – nas consequências de curto, médio e longo prazo da pandemia – que deve vir da gestão.

Desafio 

“Desafio antológico. Compreender o suicídio e lidar com o suicídio é um tema de toda uma geração, da história da humanidade”, ressaltou Rodolfo Furlan Damiano, médico psiquiatra do Hospital das Clínicas da FM-USP, para o qual compreender não é só olhar para uma face, mas compreender as várias faces.

​​​​​​​ Damiano mostrou um panorama dos dados sobre   suicídio no Brasil e no mundo, em uma sociedade   na qual, como ele apontou, a frustração, tristeza é   vista como algo que não pode ser sentido e assim   fica difícil lidar com a questão.​​​​​​​

 O Brasil, México e os Estados Unidos são os países   com casos mais recorrentes de suicídio. Teve um   aumento de 65% de 10 a 14 anos e de 45% de 15 a 19 anos em casos de suicídio no Brasil. E na população indígena é onde se tem a maior recorrência de suicídios.

O médico psiquiatra explica que uma pessoa não se suicida porque perdeu o interesse pela vida, mas sim porque não gosta da vida que ela está levando. "O suicídio não é uma negação da vida, mas sim uma negação de como se está vivendo". 
 

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Foto: Reprodução da apresentação


Ao final, para frisar que o tema suicídio deve ser encarado não só por quem está em sofrimento mas por toda a sociedade, Damiano retomou uma frase dita no início: “Quando uma questão não é culpa de ninguém, é problema de todo mundo”, para em seguida acrescentar que "um problema social não se resolve individualmente".  

Mesa 3

Os debates do dia foram encerrados com a mesa 3, com o tema A Questão do Acolhimento e da Escuta, com apresentações de duas professoras do IP: Maria Luisa Sandoval Schmidt e Henriette Tognetti Penha Morato; sob a coordenação da professora Tessa Moura Lacerda, do Departamento de Filosofia da FFLCH.

A professora Maria Luisa ou Malu, como é chamada, disse que tem acompanhado o sofrimento dos estudantes universitários, que segundo ela aparece na maioria das vezes associada à saúde mental. 

Depois, ela fez um pequeno retrospecto sobre a questão da luta antimanicomial, que tem como bandeira a criação de sociedades sem hospícios. "Fazer terapia, tomar algum medicamento não é algo proibido pela luta antimanicomial, mas sim ter os direitos de cidadania destas pessoas garantidos, onde elas devem ter o direito de conviver em sociedade ”, disse Malu.

Ela explicou que, a luta antimanicomial direciona para uma ética do acolhimento. Porque uma pessoa precisa muito mais que medicamento, internação: "não são questões meramente biológicas e individuais” e por tudo isso que “escutar é uma ação muito valiosa”.

Em sua fala, a professora Henriette destacou que pode não parecer, mas o sofrimento dos estudantes foi escutado sim. "Porque justamente por causa deste sofrimento que este evento está sendo realizado". 

Ela aproveitou para enfatizar que não separa e distingue saúde mental e saúde física, “pois pensar em dividir a saúde é nos dividir, quando na verdade não é possível”. E que dentro da universidade está faltando uma política voltada à escuta, para que a instituição volte a ser universal. “Hoje está totalmente focada na produtividade (...) Na universidade, muitas vezes o aluno é cobrado e não escutado". 

As transmissões das mesas 2 e 3 podem ser assistidas, abaixo, pelo mesmo link no canal da FFLCH no YouTube. A mesa 3 começa a partir de 2:20:50. 



Conversas futuras 

Ao final das apresentações e debates, a professora Malu deu a sugestão de fazer uma roda de conversa para ouvir, compartilhar e conversar sobre estas questões de aproximação durante este momento de atividades virtuais. 

A professora Tessa se comprometeu em pensar na proposta de realização de rodas de conversa na Faculdade, assim como o diretor da FFLCH, que também estava participando da transmissão. Pois, segundo Tessa, que é a atual presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da FFLCH, a promoção do evento Ciclo de Jornadas Saúde Mental, Saúde Física e Educação em Tempos de Pandemia é um início de conversa, "um espaço para pensar sobre que universidade queremos construir".

No dia 14, o tema do próximo encontro será saúde física e pandemia, com a participação de convidados da área médica e farmacologia. A mesa 1, vai ter a participação de duas professoras da Faculdade de Medicina (FM) da USP. Ester Cerdeira Sabino, que liderou o sequenciamento do genoma do coronavírus, tratando dos esforços de vigilância e vigilância genômica; e Anna Sara Shafferman Levin, que falará dos tratamentos da Covid-19 e os aprendizados.

Com o tema específico vacinas e o contexto do novo normal, a mesa 2, vai contar com a presença de pesquisadores que estão à frente das discussões sobre vacina em âmbito nacional: Dimas Tadeu Covas (da FMRP-USP e do Instituto Butantan), Esper Georges Kallás (FM-USP), Soraya Soubhi Smaili (Unifesp) e Margareth Maria Pretti Dalcolmo (Fiocruz). Na última mesa do dia, será abordado o lugar da saúde, com outros dois professores da FM: Paulo Hilario Nascimento Saldiva e Paulo Rossi Menezes. 

​​​​​​​A organização do evento é da FFLCH, com apoio da FE, FM, IP e IAU. A participação é gratuita e aberta ao público em geral, sem necessidade de inscrição prévia. E haverá emissão de certificado para as pessoas que registrarem presença no dia.