Como combater o negacionismo sobre o regime militar nas redes sociais?

Compartilhamento acelerado de posts negacionistas pode ser lucrativo para plataformas de redes sociais, de acordo com pesquisa da FFLCH; historiadores e pesquisadores podem produzir conteúdo contra a desinformação

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

Foto: John Schnobrich/Unsplash

Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu uma ditadura marcada pela restrição aos direitos políticos, pela censura e pelo autoritarismo. Aqueles que se opunham ao regime eram reprimidos ou até mesmo brutalmente torturados. Hoje, mais de 50 anos após o golpe militar, ainda há quem negue a crueldade da ditadura ou defenda os atos violentos dos militares. Foi esse o objeto de estudo da dissertação de mestrado de Gabriel Zani, que analisou o negacionismo histórico nas redes sociais.

Ele notou que, entre 2019 e o início de 2020, as redes foram marcadas pela presença intensa de grupos negacionistas de extrema direita. Com a pandemia, professores de história e outros especialistas da área de humanas perceberam que é possível produzir conteúdo fora da sala de aula e compartilhar conhecimento nas plataformas. Isso pode ajudar a combater a desinformação na internet.

O pesquisador considera que o surgimento de novos atores foi um momento de virada nas redes sociais. Os negacionistas passaram a encontrar mais resistência e mais críticas aos seus posts, que muitas vezes exaltam o período militar. Por isso, Gabriel defende a importância da presença de historiadores nas redes sociais e da divulgação de seus conteúdos.

Em 2017, o pesquisador criou uma página no Facebook para compartilhar conteúdos de história. Ele conta que a página começou a crescer e a ideia para seu mestrado surgiu quando um de seus vídeos - sobre o regime militar - viralizou. O post recebeu comentários de usuários de extrema direita, negando que tenha existido uma ditadura no Brasil ou enaltecendo os militares.

Ao estudar os discursos negacionistas, Gabriel descobriu que uma das principais fontes utilizadas por esses grupos é o livro “A Verdade Sufocada”, escrito por Carlos Brilhante Ustra, que foi coronel e chefe dos centros de tortura durante o período ditatorial. A obra já foi até mesmo recomendada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que é abertamente admirador de Ustra. “As ideias desse livro distorcem o conhecimento histórico e negam fatos importantes sobre a ditadura”, segundo Gabriel.

Repressão na ditadura militar brasileira. Foto: Daniel Garcia/AFP e reprodução

O modus operandi negacionista

Em sua análise, o pesquisador verificou que as comunidades virtuais negacionistas são bastante unidas. Suas ideias, por serem muito simplistas e superficiais, são compartilhadas com muita facilidade e acabam ganhando força. Nas redes sociais, esses grupos afirmam, por exemplo, que “os militares salvaram o Brasil do comunismo”.

Alguns deles chegam a atacar, ofender e até mesmo ameaçar aqueles que discordam de suas opiniões e que os criticam. De acordo com Gabriel, “essa narrativa faz um movimento de negar algo real para validar algo que não é real. Se os negacionistas defendem que os militares foram heróis, precisam negar que houve tortura. Se eles afirmam que aquela foi a época em que o Brasil mais teve segurança pública, precisam negar que existem várias denúncias de corrupção praticada pelos militares durante a ditadura”.

Como combater o negacionismo histórico?

O pesquisador opina que plataformas como o Facebook e o Instagram deveriam tomar atitudes quanto à disseminação de informações falsas. Porém, o compartilhamento desenfreado dos conteúdos gera lucro para essas empresas, e a repercussão de vídeos negacionistas acaba sendo interessante do ponto de vista financeiro para as plataformas. “Isso é perigoso para a democracia, para a ciência e para a sociedade”, explica Gabriel.

Na maioria das vezes, a responsabilidade de denunciar conteúdos falsos fica nas mãos dos usuários. Por isso, o pesquisador acredita que historiadores e outros estudiosos de humanidades podem organizar uma frente de contraposição às desinformações nas redes sociais. É importante que os fatos sejam esclarecidos e, de acordo com Gabriel, é fundamental “democratizar o acesso ao conhecimento histórico e mostrar para as pessoas leigas como se produz história”.