Nascimento de Darcy Ribeiro

Famoso por seu interesse pelas comunidades indígenas, Ribeiro também se envolveu na educação, política e literatura

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Renan Braz
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Nascimento de Darcy Ribeiro
"O problema do Darcy está em equacionar o particular e o geral do Brasil”, analisa Marras. [Montagem: Renan Braz]

Darcy Ribeiro não é alguém simples de ser definido: foi antropólogo, etnógrafo, romancista, político e educador. Esta diversidade de interesses e áreas de atuação fizeram com que chegasse a brincar e se comparar a uma cobra, por ser alguém que vai acumulando várias peles.

Nascido em Montes Claros, norte de Minas Gerais, em 26 de outubro de 1922, formou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1946, na época um dos principais centros de estudos de antropologia no mundo ocidental, local em que assumiu sua “pele” de antropólogo, antes ocupada por outro papel, o de militante político vinculado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Entre 1949 e 1951, começou a pesquisar as comunidades indígenas, como os Urubu-Kaapor, habitantes da região do Maranhão, antes mesmo de a ocupação de “etnólogo” ser formalizada. Ribeiro os estudou na condição de "naturalista" e foi por meio do contato com as comunidades indígenas que assumiu sua terceira pele, a de educador, e se voltou para esta área, no final dos anos 50, junto com Anísio Teixeira, também educador, jurista e escritor.

A parceria entre os dois, Ribeiro como dirigente do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e Teixeira como diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), procurou mapear as várias áreas socioculturais do Brasil com o objetivo de compreender os diversos “Brasis” existentes dentro do país.

É durante esta época que, também junto com Teixeira, foi um dos responsáveis pela criação da Universidade de Brasília (UnB), em 1962, e tornou-se seu primeiro reitor. Nos anos seguintes, foi nomeado Ministro da Educação, posteriormente, Ministro-Chefe da Casa Civil do Governo João Goulart e um dos personagens mais importantes no período das reformas de base. Teve seus direitos políticos cassados após o Golpe Militar de 1964 e exilou-se em diversos países da América Latina. Neste período, contribuiu para reformas universitárias em países como Venezuela, Uruguai, México; também assumiu outra de suas peles, a de romancista, escrevendo obras como Maíra (1976) e O Mulo (1981).

Contemporâneo de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro é fruto de uma geração de intelectuais que se empenhava em dar um sentido ao nosso país e foi destacou uma leitura do Brasil como fruto da invasão do branco conquistador. “Seus estudos sobre as comunidades indígenas fizeram com que Darcy encontrasse os neobrasileiros, um grupo maior que se desenvolveu a partir do etnocídio”, explica Alexandre de Freitas Barbosa, professor e pesquisador de História Econômica do Instituto de Estudos Brasileiro (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).

Em sua vida intelectual enxergou o indígena, primeiramente, a partir do próprio indígena, de sua forma de pensar e perspectiva para, depois, analisar o indígena a partir do ponto de vista capitalista, da dominação. Essa perspectiva mostra que não existiu o processo de assimilação do indígena na sociedade, pois sua “integração”, se é que ela foi realmente realizada, ocorreu por meio da morte da tribo. “Percebemos o Darcy etnógrafo, depois o Darcy educador, depois o reformista, pensador nacionalista e, no exílio, um pensador marxista tentando entender o processo civilizatório desde o neolítico até hoje. É nesse processo que ele passa a olhar o indígena a partir do processo civilizatório, das transformações do capitalismo”, continua Barbosa.

A variedade de interesses mantém Ribeiro como objeto atual de estudos e discussões, ao mesmo tempo em que dificulta a compreensão de seus pensamentos. O intelectual não foi alguém que sistematizou sua forma de pensar e nem se manteve fixo a uma determinada visão de mundo. Pelo contrário, por vezes apresentou posicionamentos contraditórios, cabendo aos acadêmicos o esforço de encontrar as peças que montam o quebra-cabeça de sua trajetória intelectual, como explica Stelio Marras, professor e pesquisador em Antropologia também no IEB.

Suas obras giram em torno desta tentativa de compreender e identificar quais os elementos responsáveis pelo que viemos a conhecer como Brasil. No entanto, em busca da unidade nacional, Ribeiro acabou por encontrar o oposto, a pluralidade de nossa nação. “O problema do Darcy está em equacionar o particular e o geral do Brasil”, analisa Marras. O professor complementa que Darcy, como qualquer outra pessoa, é alguém que podemos herdar, levando em conta tanto as limitações de sua época quanto o contexto e problemas do momento em que seu pensamento é analisado.

Barbosa e Marras ministram um curso intitulado “O Brasil e os Brasis de Darcy Ribeiro: Modos de Herdar seu Pensamento” no IEB, visto como uma necessidade para que a Universidade retire Darcy Ribeiro do abandono e se debruce sobre suas obras com seriedade, investigando seus erros e acertos. Ribeiro assumiu outros papéis ao longo da vida e deixou de olhar o indígena apenas como antropólogo, tentando conciliar outras funções para também colocar em prática mudanças concretas por meio da política. Por isso, não pôde acompanhar todo o avanço da produção teórica realizada na academia, revisar alguns de seus conceitos e estruturar suas ideias. Atualmente, algumas delas são tidas como equivocadas ou datadas por estudiosos, o que fez com que a Universidade o colocasse em uma espécie de ostracismo.

No entanto, Ribeiro não foi esquecido pela sociedade, o que acendeu um sinal de alerta para os acadêmicos em certas situações. Os pensamentos dele foram usados por André Mendonça, ministro do Supremo Tribunal Federal, para apoiar o Marco Temporal, tese que prejudicaria as comunidades indígenas, fontes de interesse e preocupação de Ribeiro durante toda a sua vida. Neste mesmo julgamento, a ministra Carmen Lúcia também citou Ribeiro, mas com um objetivo inverso ao de Mendonça, posicionando-se contra o Marco Temporal. Estas duas situações ilustram o uso contraditório de um autor que de fato incorreu em contradições. O curso de Barbosa e Marras, neste sentido, é uma recusa em abandoná-lo e um reconhecimento, por parte dos acadêmicos, da necessidade de se estudar mais a obra de Ribeiro para compreender melhor a sua herança.

Alexandre de Freitas Barbosa é professor livre-docente de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e coordena o Núcleo Temático "Repensando o Desenvolvimento" do LabIEB. Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1991), mestrado em História Econômica pela FFLCH (1997) e doutorado em Economia Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2003).

Stelio Marras é professor e pesquisador em antropologia do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Bacharel em Ciências Sociais, mestre e doutor em antropologia pela FFLCH. Orienta pesquisas pelo Programa de Pós-Graduação "Culturas e Identidades Brasileiras" do IEB e pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da FFLCH.