Docentes e dirigentes da USP debatem passado, presente e futuro da educação

No terceiro encontro do Ciclo de Jornadas sobre saúde mental, foram apresentadas as ações tomadas na pandemia e reflexões sobre a retomada das aulas presenciais

Por
Eliete Viana
Data de Publicação


A educação e pandemia foi o tema do terceiro e último encontro do Ciclo de Jornadas Saúde Mental, Saúde Física e Educação em Tempos de Pandemia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, realizado no dia 29 de setembro. 

Com a participação de dirigentes de algumas Unidades de Ensino e Pesquisa da USP e de docentes da FFLCH que estudam questões relacionadas às políticas públicas, a importância da educação e o papel que as universidades públicas precisam desempenhar na sociedade foram destacadas, além da necessidade de mais diálogo sobre a retomada das aulas presenciais.

Na abertura das atividades, o diretor da FFLCH, Paulo Martins, ressaltou a relevância do assunto. “[É importante fazermos] Um mapeamento de como algumas Unidades da USP conseguiram gerir a graduação durante a pandemia (...), para que possamos fazer uma reflexão futura sobre o assunto, compilar um documento", comentou. E antes do início da mesa 3 ele deu ênfase novamente: “Discutir questões que são atuais e propor novas abordagens a respeito, pensar soluções futuras sobre a educação pública, inclusiva e de qualidade pra todos", comentou. 

USP na pandemia 

​​​​​​​Na mesa 1, pela manhã, diretor e vice-diretores de Unidades da USP relataram as questões pelas quais tiveram de lidar nas áreas acadêmicas e administrativas desde o início da pandemia até os dias atuais. A diretora do Instituto de Psicologia (IP), Ana Maria Loffredo, estava confirmada na programação da mesa, mas não pode participar.

O diretor da Faculdade de Educação (FE), Marcos Garcia Neira, lembrou que a área de educação foi duramente atingida neste período porque as atividades tiveram que ser interrompidas presencialmente para manter o distanciamento social, não só aqui no Brasil mas no restante do mundo também.  

Neira contou que investiu em informação, retomando a publicação de um boletim sobre as atividades realizadas na Unidade; e a criação de comitês e grupos de discussão. O diretor explica que a FE foi uma das últimas Unidades a aderir ao ensino remoto, porque precisaram antes refletir e debater a respeito. Além disso, confidenciou que muitos docentes, inclusive ele, não dominavam as ferramentas e por isso foi criado um Grupo de apoio às estratégias digitais, com a ajuda de docentes da Faculdade que estudam o ensino virtual e suas ferramentas. 

Com a realização remota das atividades administrativas e acadêmicas, surgiu a necessidade de redistribuir os trabalhos para adequação à nova realidade. Neira refutou a ideia que muitos têm de que com as aulas remotas não se estavam trabalhando, porque passou-se a trabalhar muito mais. E na Unidade sempre tinham pessoas trabalhando presencialmente também, como a área de vigilância, limpeza, controladoria, setor financeiro, sessão de manutenção.

O diretor citou que houve a preocupação no acolhimento da comunidade, isso incluindo a Escola de Aplicação, comentou sobre atos administrativos da USP que impactaram a Unidade e que as ações e decisões tomadas na Unidade foram as possíveis no momento,  de acordo com as informações que se tinha a respeito. Mas, o ensino remoto não é o ideal “porque nada se compara ao ensino presencial”. 

"A FFLCH está fazendo com este evento o que a USP deveria ter feito", declarou o vice-diretor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU), Miguel Antônio Buzzar, apontando a necessidade da realização de mais atividades para trocas de vivência e reflexões entre os dirigentes das Unidades da USP em momentos de crise como a pandemia, por exemplo, pois destacou que na USP não tiveram diálogos, mas somente comunicados. 

Para isso, ele acredita que a universidade deveria ter um comitê de docentes para orientar toda a comunidade interna e que também pudesse orientar toda a sociedade, visto que parte dos integrantes do Centro de Contingência contra Covid-19 criado para ajudar o governo estadual nas decisões políticas e sanitárias durante a pandemia de Covid-19 é da USP, como Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da USP – e que participou da mesa 2 do segundo encontro do ciclo de jornadas, realizada no dia 14 de setembro – e isso poderia ter sido feito junto com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), por exemplo. “Perdemos a oportunidade de ser um farol neste momento”, afirmou Buzzar.

O vice-diretor do IAU comentou o fato de na USP não sabermos quantos alunos, docentes e funcionários tiveram Covid-19 e que a pandemia não é um processo que se resolve em pouco tempo exigindo a retomada imediata. Por isso, lembrou que no campus da USP em São Carlos, onde o IAU se localiza, cerca de 70% dos estudantes são de fora da cidade e durante a pandemia retornaram para suas cidades. E, com a volta do ensino presencial é preciso pensar em questões práticas que estes alunos vão ter de passar, como pagar aluguéis, para aqueles que não residem na moradia estudantil do campus, retomada do transporte entre o campus 1 e o 2, alimentação, etc.

Por todas estas questões, ele afirma que a naturalização de um retorno pode ser perigoso, ainda mais porque em 2022 a universidade terá dois terços dos alunos como calouros – além dos ingressantes do próximo ano, Buzzar se refere aos ingressantes deste ano que não tiveram atividades presenciais e os de 2020 que tiveram um mês somente antes do início da pandemia –, mas ainda não há um planejamento de como esses alunos serão acolhidos.

A coordenadora da mesa, Ana Paula Torres Megiani, vice-diretora da FFLCH, aproveitou para falar sobre a vivência na Faculdade, ainda mais que o mandato da atual gestão, formada por ela e pelo diretor Paulo Martins, teve início durante a pandemia, em 26 de setembro de 2020. 

O ponto positivo deste período foi a prorrogação dos prazos na pós-graduação, deixando os alunos um pouco mais seguros para a continuidade de seus trabalhos. Para Ana Paula, os pontos negativos são a falta de concurso público para docentes e processo seletivo para funcionários, que já vem acontecendo há um tempo na USP, e o cancelamento dos concursos docentes que já estavam agendados – por causa da Lei Federal n.º 173/2020 – que em uma unidade muito grande como a FFLCH prejudica o trabalho.

Segundo a vice-diretora, em nenhum momento a opinião da FFLCH foi pedida, tendo a Faculdade de se adaptar a sua realidade e “apagando incêndios”. E para destacar que a USP deveria ser mais ativa na sociedade neste momento, Ana Paula disse que sempre se perguntou porque a USP não abriu um centro de vacinação dentro da Cidade Universitária e/ou um espaço onde as pessoas pudessem se informar sobre a Covid-19.

Acesse, abaixo, o conteúdo exposto na mesa 1. 


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A graduação e a pandemia

À tarde, a mesa 2 teve como tema a graduação e a pandemia, com convidadas que são membros da Comissão de Graduação de suas Unidades, sob a coordenação do presidente da Comissão de Graduação da FFLCH, Emerson Galvani. Uma preocupação comum expressa por todas e também pelo coordenador da mesa foi em relação à dificuldade dos alunos acompanharem as aulas remotas, por causa do acesso desigual à internet existente no país, além de todo o contexto de insegurança que a pandemia trouxe.

A primeira a se apresentar foi Cláudia Valentina Assumpção Galian, da Faculdade de Educação (FE), que contou da pesquisa sobre ensino híbrido respondida pelos estudantes, da criação do comitê de acompanhamento da Covid-19 para questões administrativas e um para questões acadêmicas; e das ações implantadas em um primeiro, segundo e terceiro momento da pandemia: elaboração de materiais didáticos, reuniões quinzenais entre os estudantes, a Direção e a Comissão de Graduação para saber como eles estavam vivenciando este momento, e reorganização do calendário e das ações acadêmicas.

A presidente da Comissão de Graduação do IP, Paula Debert, mostrou três experiências/ações desenvolvidas na Unidade. Plano de ação, com 10 princípios para orientar a retomada das atividades, programa de tutoria, que existe desde 2012; e política de acolhimento: no final de 2020 foi proposto um texto pela Comissão sobre a questão, depois foi discutido e recebeu contribuições dos dos discentes, servidores e docentes, e no momento encontra-se em discussão no Conselho Acadêmico e irá para a Congregação, a qual designará uma Comissão de Acompanhamento dessa política no sentido de articular as ações propostas no documento. 

Representando a Comissão de Graduação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), Verónica Marcela Guridi, apresentou o resultado da pesquisa desenvolvida na Escola e aplicada na última semana de março de 2020, bem no começo da pandemia no Brasil. Inicialmente, o questionário não tinha caráter investigativo, mas obter dados para subsidiar as ações que seriam realizadas na Unidade neste período. 

Entre as considerações finais da pesquisa, a professora apontou que quanto maior for a renda familiar ou quanto mais equipamentos um estudante possui, maior será a possibilidade dele ser favorável à manutenção das atividades didáticas à distancia.  
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​​​​​​​​​​​​​​Para finalizar, Galvani destacou uma "questão pontual que parece não tão importante, mas foi fundamental: responder de forma personalizada a todos os e-mails recebidos, que não foram poucos, pelos Serviços de Alunos de Graduação e de Assistência ao Ensino de Graduação, bem como pelas Seções de Alunos e pelo setor de Estágios da Faculdade". E não de forma protocolar, falando para o aluno acessar a informação no site apenas, pois assim davam orientação mas também era uma forma de acolhimento. 

Confira a apresentação da mesa 2.



Políticas públicas para educação na pandemia


Antes da apresentação dos professores participantes da mesa 3 sobre políticas públicas para educação na pandemia, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) fez uma saudação aos presentes ressaltando a relevância da organização de eventos sobre saúde mental como esse. Ele destacou que a pandemia acentuou a desigualdade social, como o acesso à internet, principalmente nas escolas públicas de ensino fundamental e médio, e às moradias e, por isso, se mostra necessário cada vez mais o suporte e acolhimento psicológico.

A professora Ana Paula Hey, do Departamento de Sociologia, iniciou sua fala ressaltando que está cada vez mais difícil falar de políticas públicas para a educação neste últimos tempos, seja por causa da pandemia ou pela forma que o governo federal instrumentalizou o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). 

A socióloga comentou que quanto mais a desigualdade se agrava, menos os estudantes conseguem concluir o ensino, frequentar as escolas. E que isso já é vivenciado no ensino médio onde os jovens abandonam a escola, e tende a se agravar nos anos anteriores também, faz com que eles tenham menos chances e oportunidades para concorrer às vagas do ensino superior no futuro. Ela frisou que as desigualdades já existentes só foram ampliadas e acentuadas, e por tudo isso “nós estamos longe de universalizar o ensino médio!". 

Na vez de Vladimir Safatle, professor do Departamento de Filosofia, ele abordou o aumento do número de casos de depressão nesta pandemia. Com os campi das universidades vazios com a implantação do ensino remoto, tudo passou a ser desenvolvido da forma mais precária possível porque os estudantes ficaram sem espaço de troca, já que para eles o espaço universitário não é somente local de aprendizado.

Aliado à decomposição do espaço universitário, outros aspectos agravam a situação: desaparecimento do luto na sociedade brasileira, a criminalização dos estudantes e as novas dinâmicas de trabalho, em que há a confusão entre o espaço familiar, educacional e o do trabalho.

Enquanto a primeira professora apresentou as dificuldades encontradas na educação e Safatle comentou como os problemas estão afetando a saúde dos estudantes, o professor Fernando Haddad, do Departamento de Ciência Política, e que já foi ministro da Educação, falou como o atual governo vêm tratando a educação. Ele pontuou que apesar do número de universitários ter crescido, ainda é preciso mais, devemos pensar em alguma forma de desenvolvimento que dialogue e nos coloque na frente e refletir o que será do Brasil pós-pandemia.

A coordenação da mesa foi feita por José Luis Portella, pós-doutorando do Departamento de Sociologia, que após a exposição dos professores colocou em debate como pode-se recuperar o tempo de aprendizado que os alunos perderam neste tempo de pandemia e como as tecnologias usadas no ensino remoto serão utilizadas com o retorno presencial.

A mesa 3 pode ser assistida abaixo.

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Outros dias 

A organização do Ciclo de Jornadas é da FFLCH, com apoio da FE, Faculdade de Medicina, IP e IAU. 

​​​​​​​Os três encontros do Ciclo foram realizados no mês de setembro, no qual são feitas as campanhas de conscientização sobre a prevenção do suicídio chamada Setembro Amarelo, mas a intenção da Direção da Faculdade é que as conversas e debates não se encerrem, pois serão promovidas outras ações a respeito do assunto.

​​​​​​​O primeiro encontro aconteceu no dia 1º de setembro, no qual foram destaques a necessidade de políticas institucionais para o acolhimento e inclusão, a importância de olhar o lado humano da saúde mental, e a integração entre saúde mental e saúde física.

N​​​​o dia 14, no segundo encontro, os assuntos abordados foram a importância das vacinas, a previsão de que ainda teremos de conviver com ela por um tempo e a necessidade de ter estratégias para dialogar com a sociedade e fazer a divulgação científica.​​​​​​

Para conferir todas as apresentações, acesse a playlist Ciclo de Jornadas Saúde Mental, Saúde Física e Educação em Tempos de Pandemia disponível no canal da FFLCH no YouTube.

FFLCH PELA VIDA

O Ciclo faz parte do FFLCH PELA VIDA, que é um conjunto de ações relativas à saúde mental voltadas ao acolhimento da comunidade de estudantes, docentes e servidores técnico-administrativos da FFLCH. A necessidade de implantação destas ações surgiu após casos de suicídio ocorridos no primeiro semestre de 2021 envolvendo estudantes da Faculdade, dentro de um contexto de mais de um ano do início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). 

Outras ações do FFLCH PELA VIDA são:
a) cartilha de informações básicas sobre saúde mental;
b) pesquisa para levantamento da situação de sofrimento de saúde mental na FFLCH;
c) criação de canal de comunicação direta (telefone, WhatsApp, e-mail e site);
d) elaboração de um programa de tutoria dos docentes da FFLCH aos estudantes, com a intenção de aconselhá-los e ajudá-los em situações-limite na vida acadêmica
e na perspectiva pessoal;
e) a partir dos dados fornecidos pela Superintendência de Assistência Social (SAS), planejar visitas ao Conjunto Residencial da USP (CRUSP) para que a direção acompanhe a situação de qualidade de vida dos seus estudantes que residem no local, levantando demandas e as encaminhando aos órgãos competentes;
f) ampliação de ações de inclusão acadêmica a partir do Programa de Acolhimento aos Estudantes Cotistas (PAECO) e de Práticas de Leitura e Escrita Acadêmicas (PLEA).​​​​