Com intercambistas de diversos países e habilitações em vários idiomas, USP ainda prioriza o inglês

Pesquisa da FFLCH entende que apesar de ter 16 idiomas de habilitação no curso de Letras na USP, a Universidade ainda pressiona para o uso do inglês e ofusca outras línguas

Por
Thais Morimoto
Data de Publicação

Intercambistas reunidos
Intercambistas reunidos na FFLCH são recepcionados para o semestre letivo. Foto: Serviço de Comunicação Social/FFLCH-USP 

A realidade dos estudantes intercambistas e as políticas linguísticas da Universidade foram o tema da dissertação de mestrado de Selma Regina de Almeida, defendida no âmbito do programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

A pesquisadora, que fez intercâmbio em Honduras, na área de Pedagogia, e se habilitou em Letras-Latim na USP, analisou documentos e percebeu como os cursos de graduação e a produção de conhecimento na Universidade são voltados para o inglês.

Valdir Heitor Barzotto
Valdir Heitor Barzotto. Foto: Marcos Santos/USP Imagens 

Professor orientador da pesquisa, Valdir Heitor Barzotto, que foi presidente da Comissão de Cooperação Internacional (CCint) da Faculdade de Educação (FE) durante 2014 e 2018, e atualmente é vice-diretor na mesma faculdade, destaca que “o inglês cria a falsa ilusão de que a produção da ciência só pode ocorrer nessa língua. Essa posição desconsidera que o conhecimento em todas as áreas foi produzido em todas as línguas e em todas as comunidades”. O professor aponta que o pensamento de que o inglês é o idioma da ciência exclui muitos brasileiros que não sabem inglês, mas conhecem outras línguas.  

Selma Regina Olla Paes de Almeida
Selma Regina Olla Paes de Almeida. Foto: Arquivo pessoal

Selma também entende que as universidades líderes, localizadas nos Estados Unidos e na Inglaterra, incentivam as publicações em inglês. A partir dessa pressão para o uso do inglês, Selma compreendeu que é mais difícil para universidades que não dominam o idioma conseguirem competir em rankings internacionais que avaliam o prestígio e a qualidade da universidade. A USP atua ao contrário do que deveria ser: um lugar de ideias e de pluralidades linguísticas.

Outro ponto mencionado pela pesquisadora é que, ao usar a língua estabelecida por essas universidades, cria-se uma limitação: “nunca vamos desenvolver uma pesquisa em outra língua com a mesma qualidade do que na nossa língua materna”, afirma. 

O professor Barzotto também destaca que se a interação com os outros países for feita por meio de pessoas que de fato conhecem a língua e a cultura do país, a interação será melhor. “Na hora de fazer um diálogo comercial não basta saber o inglês para conversar com a China”, explica. 

Outras línguas

Para Selma, o amplo uso do inglês na universidade apaga o espaço de outras línguas. Por exemplo, na pós-graduação, a USP incentiva que algumas aulas sejam dadas em inglês para melhor integrar os intercambistas. Mas, segundo a pesquisadora, como a maior parte dos alunos estrangeiros da pós-graduação são da América Latina, a necessidade da Universidade é ter aulas em espanhol.  

Selma também propõe refletirmos se o único caminho para o estudante que quer fazer intercâmbio é ir para os Estados Unidos ou a Europa. “Por exemplo, será que uma parceria regional com Argentina e Uruguai ou com países da África, não teria mais relevância, pensando nas proximidades das problemáticas que possuímos? Fazendo essas parcerias regionais, talvez a gente tivesse soluções para problemas de forma mais significativa do que enviando os alunos para a Europa ou para os Estados Unidos”.

Os estudantes estrangeiros que aqui chegam também carregam em seu imaginário uma imagem de língua voltada ao inglês e à norma padrão. Para muitos estudantes estrangeiros, o português aceito, que deve ser apreendido e usado na universidade, é a norma padrão. 

Mas Barzotto defende que todas as variedades linguísticas de um idioma que surgem no cotidiano devem ser valorizadas pela Universidade, porque são relevantes na produção de conhecimento e é importante abordar o assunto. “Quanto mais falarmos disso, pesquisar e entender como as imagens de língua são construídas e como elas circulam na sociedade, mais vamos ter essa compreensão de que as culturas são importantes para a constituição da história da humanidade”.

O professor Barzotto também ressalta a necessidade de incorporar outras línguas, como as indígenas. “Nós temos cotas para indígenas na Universidade, mas não incorporamos as línguas indígenas no fazer acadêmico, então ainda não há o incentivo para que o indígena possa escrever um trabalho acadêmico na língua dele”, afirma o professor. 

O papel da Universidade

Selma entende que a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) poderia utilizar dos professores e dos estudantes de Letras de diferentes habilitações para ampliar o repertório linguístico da USP. Para ela e para o professor Barzotto, a USP precisa assumir uma política linguística que abarque mais idiomas. 

Barzotto também destaca que é fundamental que a Universidade reconheça a importância dessas línguas para a produção de conhecimento. A USP também deve investir e assumir que manterá cursos de línguas com menos demanda e com falta de docentes e discentes, como árabe, grego e armênio. Esses cursos também possuem ampla importância cultural para a história da Universidade, porque, segundo o professor, “a USP é uma das quase únicas do Brasil que tem esse conjunto de línguas”. O professor ainda menciona que a Universidade precisa entender “o valor político e econômico dessas línguas”. 

Conheça todos os idiomas que o curso de Letras da FFLCH USP oferece aos alunos:


A dissertação de mestrado Análise das políticas de internacionalização da Universidade de São Paulo e da realidade linguística dos estudantes estrangeiros: quais imagens de língua circulam nos espaços acadêmicos? foi defendida em maio de 2023 por Selma Regina Olla Paes de Almeida e teve orientação de Valdir Heitor Barzotto.