Stonewall: do Village para o mundo
Júlio de Assis (USP) e Jialu (PUC/SP)
Mediação: Pisci Bruxa (PPGAS/USP)
28 de junho de 1969 não acabou. Na madrugada dessa data, após a invasão da polícia ao bar Stonewall Inn, no bairro Greenwich Village, Nova York, a comunidade LGBT+ enfrentou a violência dos policiais, resistindo ao ataque àquele lugar de vivência e sociabilidade, deflagrando a luta pelos direitos de pessoas LGBT+. A série de motins e outras manifestações, que conformam o que chamamos Revolta ou Rebelião de Stonewall, entrou para a história das lutas contínuas da comunidade e de ativistas, como marco das reivindicações em torno do direito à liberdade de corpos e formas diversas de afeto, como o vem sendo também as Paradas do Orgulho LGBT+ que já fazem parte do calendário de diversas regiões do mundo, celebradas em junho, em memória a Stonewall.
No Brasil, a Revolta de Stonewall reverberou na formação de grupos afirmativos, de combate à trans-lesbo-homo-fobia por meio da criação de direitos. Por aqui, a política “higienista” da Ditadura Civil-Militar (1964-1988) também era mantida por rondas e batidas policiais em espaços de sociabilidade da comunidade, ocasionando ameaças, ataques e prisões: ao menos 1,5 mil pessoas, entre travestis, gays e lésbicas, foram presxs só em São Paulo pelas forças de repressão como “subversivos” que atentavam contra a “moral e os bons costumes”.
Em 1978, o Grupo SOMOS era fundado na capital paulista pelo escritor João Silvério Trevisan e pelo historiador James Green, reunindo intelectuais, artistas e estudantes. O jornal Lampião da Esquina, no mesmo círculo político e intelectual, desafiava a repressão, abordando a temática LGBT+ e denunciando as atrocidades realizadas pelo que chamava “Esquadrão mata-bicha”. Em 1980, no Pelourinho, em Salvador, é fundado o Grupo Gay da Bahia (GGB), adensando a luta contra a homofobia no país. Nessa linha, e com implicação direta no processo de redemocratização, emergem coletivos, associações, frentes de luta e organiza-se algo como um “movimento LGBT” no contexto brasileiro.
A mobilização política desses coletivos e sujeitos também serviu para que a Antropologia reconsiderasse visões clássicas acerca da noção de gênero, em busca de novos sentidos sobre temas como corpo, libido e identidade. Entre muitxs pensadorxs que alimentam correntes e estudos em diversos campos do conhecimento, estão Michel Foulcault, Judith Butler, Paul Preciado, Amara Moira, Jota Mombaça...
Mas, qual o impacto de Stonewall na Antropologia? Quais linhas de pesquisa vêm sendo propostas na academia por aqueles que se debruçam sobre o tema? Que métodos vêm sendo experimentados diante de objetos de estudo tão avessos a classificações normativas? Quais as possibilidades de propor paradigmas científicos por aproximação com a Teoria Queer? Esta Sexta do Mês convida todas, todxs e todos para refletirmos sobre essas lacrações epistêmicas que há tempos investigam mundos contrapostos aos modelos cristão-hétero-patriarcal de existência.