Nascimento de Arthur Conan Doyle

Criador do famoso detetive Sherlock Holmes, escritor britânico foi um dos mais importantes do gênero policial

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

“Discernimento dos crimes, um saber enciclopédico, dedução e observação são as características principais de Holmes. Sua forma de trabalho parte de um método de observação e de um pensar por inferência, que utiliza como complemento a ciência”, segundo Filipe Reblin Costa (Arte: Gabriela Ferrari Toquetti/Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)

Em 22 de maio de 1859, na Escócia, nasceu Arthur Conan Doyle, criador do famoso detetive Sherlock Holmes. Autor de obras como As Aventuras de Sherlock Holmes, O Cão dos Baskervilles e Um Estudo em Vermelho, Conan Doyle foi um dos mais importantes escritores do gênero policial. Inspirado por um professor que Doyle teve quando estudou medicina, o personagem de Sherlock Holmes surpreende os leitores por sua imensa capacidade de análise, dedução e observação e por seu vasto conhecimento em diversas áreas da ciência.

A maioria das histórias inventadas por Conan Doyle mostram Holmes empenhado em decifrar casos misteriosos e solucionar crimes. Seu parceiro, Dr. Watson, confia no detetive e é conduzido por ele, assim como nós, leitores. Ao final, os mistérios são resolvidos no que costuma ser uma grande e surpreendente revelação. Todas essas características unidas moldam o gênero policial que Doyle popularizou. A figura de Holmes, inclusive, já foi retratada diversas vezes em adaptações cinematográficas ao longo dos anos.

“Entre 1887 e 1927, encontraremos Sherlock Holmes dominando o cenário literário do gênero policial. Muitos autores, em diversos países, seguiram seus passos tendo como lastro o lado científico, que fora implementado por Doyle no raciocínio e na investigação de Holmes. Mesmo com pequenas variações, o caráter de homens extremamente racionais com um vasto conhecimento se estabeleceu como molde dos detetives. Assim, sua figura passa a ser uma base de contos e romances policiais que viriam depois”, de acordo com Filipe Reblin Costa, doutorando em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Arthur Conan Doyle, para os leitores que ainda não o conhecem?

Filipe Reblin Costa: Arthur Ignatius Conan Doyle nasceu no dia 22 de maio de 1859 em Edimburgo, na Escócia. Sua família era rica e extremamente católica, o que o levou a estudar em internatos e colégios religiosos. Sofria bullying e agressões de alunos maiores (e até mesmo dos professores), encontrou na escrita – sua mãe, apesar de religiosa, era ligada à literatura e às artes e incutiu nos filhos esse gosto – uma forma de escape. Diariamente, ele escrevia cartas para os pais e contos que eram lidos por alguns alunos. Com a conclusão do ensino médio, começou o estudo de medicina na Universidade de Edimburgo. Formado, passou um tempo como médico de bordo em um navio com destino à Costa Oeste da África. Frustrado com os ganhos na medicina, voltou a escrever histórias e assim, em 1887, surge Um Estudo em Vermelho, publicado na Beeton’s Christmas Annual, a primeira aparição de Sherlock Holmes. Conan Doyle morreu aos 71 anos, em 7 de julho de 1930.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Filipe Reblin Costa: Mesmo com as falhas que essas narrativas apresentavam, como se distanciar da essência policial por conterem capítulos de outro tipo ou serem demasiadamente longas, Holmes atraiu de forma permanente a simpatia do público. Mas foi somente em 1891, com a publicação de seis contos em The Strand – que chegou a vender 500.000 exemplares –, que ambos, personagem e autor, caíram de vez na popularidade que simboliza sua história. Vale apontar, contudo, que Doyle não admirava tanto essa faceta de seu trabalho, dando preferência a um gênero que era mais conceituado na época – o romance histórico – e que nunca lhe trouxe reconhecimento no meio do público leitor.

Ao construir Holmes, Doyle usou como inspiração um professor que tivera em Edimburgo, que conseguia fazer as mais assombrosas conclusões somente observando as características físicas dos doentes, o Dr. Joseph Bell.

Conan Doyle, mesmo sendo um exemplo das convenções existentes no período vitoriano, desenvolveu um detetive que consumia cocaína – em forma de protesto contra a monotonia da existência –, que tocava violino, era egocêntrico, mas infalível. Na narrativa presente em O Signo dos Quatro, nós o vemos em uma crise depressiva, que o leva a ficar dias apenas deitado no sofá e se drogando três vezes ao dia. Sem dúvidas, Sherlock é uma figura paradoxal, bem diferente do seu criador, uma fusão do profundo saber (de botânica, anatomia, criminologia, química, geologia) com ignorância (em astronomia, literatura, filosofia).

Sem dúvidas, a dupla formada por Holmes e seu amigo, o biógrafo Dr. Watson, fornece um padrão que se mantém popular e possui, na narrativa, uma grande eficácia. É com o matemático Professor Moriarty – chamado por Holmes de “Napoleão do crime” – que surge um dos primeiros gênios do crime, o oposto complementar indispensável, já que, sem um mal extremo, o bem não pode ter seu brilho realçado. É numa luta com seu arquirrival, em O Problema Final, de 1893, que Sherlock cai das cataratas de Reichenbach, assassinado pelo seu próprio criador, que se sentia farto e sufocado pelo herói que parecia limitá-lo. Doyle pretendia com isso se direcionar para outro lado criativo; pensava, apesar de tudo, ser mais livre do que realmente era. Na sequência do anúncio da morte e fim de Holmes, a imprensa recebeu milhares de cartas e as pessoas demonstravam, com braçadeiras negras, seu luto. Ninguém aceitava que o herói simplesmente desaparecesse no abismo profundo. Foi a revista Tit-Bits que pediu publicamente que o ato de Doyle fosse reconsiderado.

Mesmo com o tempo passando, ainda era notícia em jornais a possibilidade do retorno de Holmes, fato que ocorre, de verdade, em 1901 em O Cão dos Baskervilles.

A partir da figura de Holmes se instaura um padrão: uma excepcional sabedoria num ser raciocinador. Com suas assombrosas formas de dedução e observação, síntese e análise, esse super-herói detetivesco possuía também um vasto conhecimento em inúmeras ciências. Cabe aos leitores, juntamente com Watson – criado com o intuito de ser um contraponto/intermédio entre a fulgurante mente do detetive e o público leitor –, a perplexidade diante de seus métodos. Assim, estabelece-se um “contrato”: o leitor se dispõe a confiar e ser conduzido pela inteligência de Holmes, como o próprio Watson. Isso ocorre pois existe uma identificação do leitor para com a figura de Watson – como ele, estamos sempre surpresos, porém seguros de que tudo será esclarecido no desfecho.

Existe ainda mais uma característica que podemos encontrar em Holmes: parece que o mesmo se situa acima da lei, já que, muitas vezes, exerce o papel de juiz, paralelo ao de detetive, absolvendo ou condenando. Em A Aventura de Charles Augustus Milverton, ele acha justificável a execução de um chantagista, feita por um personagem; em O Carbúnculo Azul, com a intenção de redenção da alma do criminoso, ele o perdoa; e em The Abbey Grange, recusa-se a fornecer à polícia o nome do assassino. Doyle estabelece a partir de Holmes o que são as características do detetive exemplar: um conhecimento – praticamente de uma vasta e completa biblioteca – de inúmeros crimes para reconhecer um padrão, além de aplicar toda sua erudição em áreas obscuras do conhecimento: venenos, reagentes, tipos de tabaco, por exemplo e, claro, o poder de inferência e observação.

Discernimento dos crimes, um saber enciclopédico, dedução e observação são, portanto, as características principais de Holmes. Sua forma de trabalho parte de um método de observação e de um pensar por inferência, que utiliza como complemento a ciência. Essa nuance científica – que caminha ao lado de sua racionalidade –, a sua exatidão dedutiva, o seu jeito excêntrico, a afinidade com seu parceiro/dupla/amigo que age como cronista e comunicador dos acontecimentos aos leitores e a forma genial com que o enredo se encerra, trazendo uma fenomenal epifania final, são fundamentos que determinam os moldes definitivos do gênero e sua história.

Serviço de Comunicação Social: A figura de Sherlock Holmes se tornou um fenômeno mundial e suas histórias já ganharam várias adaptações para o cinema – por exemplo, na série Sherlock (2010). Na sua visão, o que tornou Sherlock Holmes tão famoso?

Filipe Reblin Costa: Entre 1887 e 1927, encontraremos Sherlock Holmes dominando o cenário literário do gênero policial. Muitos autores, em diversos países, seguiram seus passos tendo como lastro o lado científico, que fora implementado por Doyle no raciocínio e na investigação de Holmes. Mesmo com pequenas variações, o caráter de homens extremamente racionais com um vasto conhecimento se estabeleceu como molde dos detetives. Assim, sua figura passa a ser uma base de contos e romances policiais que viriam depois.

Holmes é tão potente como criação ficcional que muitos realmente acreditam que ele existiu. Um exemplo é a peregrinação que muitos faziam (e fazem) na Rua Baker Street, em Londres, na casa em que Conan Doyle o fez residir em suas histórias. Além disso, as criações mais recentes que envolvem seu nome (como os filmes Enola Holmes, de 2020 e 2022) demonstram que, apesar dos anos, sua figura continua viva em nosso meio.

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Filipe Reblin Costa é doutorando em Letras pela FFLCH. Foi ministrante do curso “Literatura Policial: uma Breve Investigação”, oferecido pela FFLCH em 2021.