Políticos criam leis anticorrupção que podem condená-los no futuro

Pesquisa da USP analisou leis e decretos sobre corrupção e concluiu que governantes não previram os efeitos de algumas leis durante suas criações

Por
Gabriela César
Data de Publicação

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Fonte: Wikipedia

Já imaginou por que políticos criam leis que podem futuramente os incriminar? A resposta foi dada por uma tese de doutorado defendida em dezembro de 2024, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a qual avalia que algumas leis consideradas anticorrupção foram desenvolvidas, inicialmente, sem entendimento prévio de seus futuros usos e com outros fins judiciais. Por isso, durante a história política do Brasil, alguns governantes foram criminalizados com leis que eles próprios aprovaram.

Um exemplo disso foi a Lei das Organizações Criminosas, criada com o objetivo de obter provas contra organizações criminosas violentas e ligadas ao tráfico de drogas. Por meio dela, as regras sobre os modos de investigação foram concentradas, em especial a delação premiada. Entretanto, anos depois, a lei foi utilizada para crimes envolvendo políticos e empresários, como no caso da Operação Lava Jato.

Fabiana Rodrigues, autora da pesquisa, destaca que “a tese revela e possivelmente corrige um viés do observador da atualidade, que atribui aos políticos cálculos sobre os efeitos das leis que só puderam ser observados depois, e não necessariamente eram previsíveis em suas criações”.

Como leis anticorrupção atingem políticos

A pesquisadora conseguiu analisar dez leis e 31 decretos sobre corrupção, desde o governo Collor até o governo Dilma. Entre as normas analisadas, destaca-se a Lei 12.846/13, conhecida popularmente como “Lei Anticorrupção”, aprovada no contexto das chamadas “Jornadas de Junho”, em 2013. Na época, algumas pessoas acreditavam que ela havia sido produzida pela conjuntura caótica do período, mas Fabiana explica que o projeto de lei data de um período anterior e com motivações relacionadas a pressões econômicas externas.

A “Lei Anticorrupção”, de acordo com a pesquisadora, introduziu a punição para empresas que se envolvam em atos de corrupção praticados por seus gestores. A partir dela, foi instituída a delação premiada para os envolvidos em crimes de desvio de verba e isso colaborou para que os agentes públicos fossem mais supervisionados, já que o corruptor delator possivelmente aponta quem é o funcionário público corrupto. Portanto, é mais um caso de lei aprovada pela classe política com um objetivo inicial e que, posteriormente, foi utilizada contra os próprios governantes.

Durante o intervalo analisado, Fabiana destaca que dois momentos foram importantes para a utilização das leis anticorrupção: o Mensalão e a Operação Lava Jato. O primeiro, demonstrou uma mudança na forma que crimes contra a administração pública passaram a ser punidos. A Lava Jato, por outro lado, aumentou o rigor na punição de pessoas dos setores político e empresarial, condenadas por lavagem de dinheiro e participação em organizações criminosas.

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Fabiana Rodrigues é formada em Direito pela USP

Importância da pesquisa

Outro tema abordado na tese é como as leis são desenvolvidas e aprovadas. Embora existam muitas influências internas e externas dentro do setor político, a pesquisadora explica que os deputados conseguem se organizar para debater projetos de leis. Essa organização se dá por meio de representantes partidários que ficam à frente nas votações do Congresso Nacional. Muitas vezes, são eles que decidem os projetos que deputados filiados ao seu partido irão votar a favor ou contra. Contudo, “a complexidade de influências nas Casas Legislativas não implica em um completo caos”, afirma a autora.

A partir disso, Fabiana acredita que sua tese pode explicar à população de que forma as leis são criadas e como funciona o Congresso, o que contribui para possíveis cobranças realizadas pela sociedade civil direcionadas à classe política.

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A tese de doutorado Por que políticos aprovam políticas anticorrupção?de Fabiana Rodrigues e orientada por Rogério Bastos Arantes, foi defendida em dezembro de 2024 no Programa de Ciência Política da FFLCH.