Docentes do Departamento de Letras Orientais traduzem obras clássicas da literatura mundial

Crônicas do Japão, O Leviatã e Os miseráveis são livros que fazem parte da literatura europeia e judaica, árabe e asiática e compõem um projeto que tem como pauta os movimentos migratórios para o Brasil

Por
Eliete Viana
Data de Publicação
Editoria

 

*Matéria atualizada em 18/01/2021, às 12h45


Shirlei Lica Ichisato Hashimoto, Luis Sergio Krausz e Safa Alferd Abou Chahla Jubran traduziram, respectivamente, Crônicas do Japão, O Leviatã e Os miseráveis, pela Editora SESC Digital. As traduções destas obras clássicas da literatura mundial fazem parte do projeto Literatura Livre. Os dois primeiros livros foram lançados no final de dezembro, enquanto que o último tem previsão para fevereiro. A escolha dos títulos coube aos próprios tradutores.

A obra Crônicas do Japão: Príncipe Toneri e Ō-no-Yassumaro é a tradução de histórias que constam do tomo I e II das Crônicas do Japão, 681-720, cujo título original é Nihonshoki e tem 31 tomos. 

Os dois primeiros tomos relatam a mitologia japonesa destacando a origem do mundo e dos desuses, e os demais tomos narram a história e os eventos que aconteceram durante o reinado de 37 imperadores e quatro imperatrizes, dispostos em ordem cronológica. 
 

capa livro Crônicas do Japão
Crônicas do Japão: Príncipe Toneri e Ō-no-Yassumaro é o segundo registro escrito das histórias, mitos e lendas da civilização japonesa medieval, no qual é narrado, por exemplo, a introdução do budismo no país e a Reforma Taika ocorrida no século VII - Ilustração de André Ducci para a capa do livro - Divulgação


O livro foi compilado pelo príncipe Toneri e por Ô-no-Yasumaro – por isso o subtítulo na tradução em língua portuguesa –, após 39 anos de estudos e exaustiva consulta a documentos oficiais e registros sob a guarda de santuários e templos, pesquisas históricas em fontes chinesas, coreanas, transcrição de histórias orais de narrativas mitológicas, folclóricas e crenças populares.

E, ao entender as raízes alegóricas do Japão, cria-se uma ponte entre suas origens culturais e a contemporaneidade brasileira, que passou a receber imigrantes japoneses a partir de 1908.

Apesar da familiaridade da professora com a língua japonesa, quando perguntada sobre as dificuldades encontradas no trabalho, a professora Shirlei Lica Ichisato Hashimoto cita a tradução dos nomes das divindades e de termos específicos da cultura japonesa. E justamente esta parte é um diferencial importante e inédito que ela aponta em relação desta edição à tradução já publicada no Brasil. “O leitor terá a oportunidade de conhecer – ainda que por curiosidade – como se escreve o nome das divindades no original e a respectiva pronúncia adaptada para a língua portuguesa, assim como dos termos específicos que ainda são preservados na tradicional cultura japonesa”, ressalta.


“Crônicas do Japão é uma obra plural de histórias que se constroem com versões complementares, contraditórias e por vezes desconexas. (...) [As histórias de] Crônicas do Japão, no conjunto, são consideradas uma das principais fontes de estudos da história do Japão e do pensamento japonês da antiguidade por ser a primeira coletânea oficial de histórias do Japão e a segunda fonte mais importante sobre a mitologia japonesa”, comenta a tradutora e docente da área de Língua e Literatura Japonesa, sobre a importância do livro.
 

A primeira fonte sobre a mitologia japonesa (citada na fala acima) é o Kojiki (Relatos de fatos antigos, 712) que, no Brasil, foi publicada como reconto para o público infantil juvenil. E tem entre as autoras a própria professora Lica, como é conhecida, e Nana Yoshida, ilustrações de Carlo Giovani, com o título A origem do Japão – mitologia da era dos deuses, Cosac Naify, volume 9 da coleção Mitos do Mundo (2015) e que foi reeditado pela Editora Sesi-SP em 2018.

Além destes trabalhos, Lica é autora de artigos e livros de temas relacionados à Língua e Literaturas Japonesa e Brasileira, além de traduzir dezenas de obras da literatura japonesa, do clássico ao contemporâneo. 

E também desenvolveu e desenvolve pesquisas relacionadas ao tema. No mestrado, sua dissertação teve o título Evolução do Sistema Tempo-Aspectual da Língua Japonesa e no doutorado a tese foi As representações dos japoneses nos textos modernistas brasileiros: Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Juó Benanére

Uma das obras-primas

Luis Sergio Krausz, professor da área de Literatura Hebraica e Judaica conta que escolheu O Leviatã, de Joseph Roth, por considerar “que essa novela seja uma das obras-primas deste importantíssimo autor judeu austríaco”.

Escrito em 1938, o livro conta a história de Nissen Piczenik, um judeu do distante vilarejo de Progrody, que vive como vendedor de colares e adornos feitos de corais. Homem honesto e comprometido com seu ofício — criar e comercializar suas belas “joias vivas” —, Piczenik nunca ousou sair de sua vizinhança. Porém, seduzido pelo antigo desejo de conhecer o mar, ele mergulha em uma aventura ao desafiar sua rotina e deixar para trás tudo aquilo que cultivou até então: sua freguesia e seu impecável artesanato. 

A breve ausência coincide com a chegada de um novo comerciante, um húngaro que milagrosamente vende corais mais belos e baratos. Assim, toda uma vida de comedimento se transforma em tragédia: ao deixar o lar para saciar o desejo pelo desconhecido e abandonar uma rotina sufocante, Piczenik é tomado pela inebriante vida de Odessa, uma grande cidade portuária com incontáveis navios; ao retornar, o analfabeto vendedor de colares de corais rende-se à chegada ao novo representado por seu concorrente poliglota de Budapeste.
 

capa livro O Leviatã
A história de O Leviatã também está calcada na cultura alemã, pois foi escrita nessa língua por um autor austro-húngaro - Ilustração de André Ducci para a capa do livro - Divulgação


​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​Assim como muitas das obras de Joseph Roth, essa combina culturas diversas e é recheado de encontros interculturais. 
 

​​​​​​​“Em "O Leviatã" estão mais uma vez presentes as questões centrais da obra tardia de Joseph Roth: sua perplexidade ante os rumos tomados pela assim chamada civilização no período pós I Guerra Mundial (que é, em se tratando de história e literatura da Europa Central e da Europa como um todo o início do século XX propriamente dito); sua revolta ante a perda dos valores éticos, que fundamentavam a existência antes desta guerra, que representou a ruína de uma concepção de mundo imperial; sua repulsa pelo desencantamento do mundo e pelo triunfo de uma mentalidade mesquinha, para a qual tudo pode ser transformado em cifras e em estatísticas; sua afirmação categórica de que a suposta "objetividade" é a maior de todas as patifarias inventadas pelo ser humano. Tudo isso num texto novelístico breve, de incomensurável beleza poética, no qual se justapõem, como também no romance "Jó", do mesmo autor, duas faces opostas: a das sociedades tradicionais e a do século XX, desencantado, profano, materialista, tacanho”, destaca Krausz sobre aspectos que demonstram a importância do título.
 

Krausz tem bastante experiência como tradutor de Joseph Roth, de quem já traduziu Marcha de Radetzky e conhece bem a obra. Pois, foi tema de sua tese de doutorado Exílio entre o Shtetl e o crepúsculo: Joseph Roth e o judaísmo no fin-de-siècle austríaco. “A prosa de Roth, que era também jornalista, é cristalina e fluída como uma fonte de água fresca e puríssima. Basta deixar o texto dele cantar em seus ouvidos!”, ressalta o docente. 

Em 2013, recebeu o Prêmio Jabuti pela tradução da obra Retrato da mãe quando jovem, de Friedrich Christian Delius, Editora Tordesilhas. 

Os miseráveis 

A terceira tradução é da obra Os miseráveis, de Aljâhiz, escrito em 868, feita por Safa Alferd Abou Chahla Jubran, docente da área de Língua e Literatura árabe do Departamento de Letras Orientais. A edição ainda não está disponível ao público, mas tem previsão de ser lançada em fevereiro.

Ao longo de sua carreira, a professora Safa traduziu mais que uma dezena de livros do árabe para o português e também do português para o árabe. 

​​​​​​​Em 2019, foi a ganhadora do Prêmio Sheikh Hamad de Tradução e Entendimento Internacional, na categoria de tradução do árabe para o português, sendo premiada pelo conjunto de sua obra. Em 2014, também ganhou o Prêmio ABL de Tradução, organizado pela Academia Brasileira de Letras, pela tradução de E nós cobrimos seus olhos, de Alaa Al Aswany, publicado em 2013 pela Companhia das Letras. 

Projeto Literatura Livre

As publicações fazem parte do projeto Literatura Livre, que traduz para o português, edita e compartilha em formatos digitais obras originárias de povos que contribuíram para a formação cultural brasileira. Por isso, todas as edições contam, além do texto integral traduzido, com sua versão na língua original.

São obras da literatura africana, árabe, asiática, europeia e judaica. O projeto tem como pauta os movimentos migratórios para o Brasil, e colabora para difundir o acesso à cultura de diferentes países e estimular a leitura.

O projeto foi criado pelo Instituto Mojo de Comunicação Intercultural, que também fez a curadoria e toda a produção das traduções livres. Ao todo são 11 obras divididas em 14 volumes. Até o momento, seis livros já estão disponíveis ao público, que podem ser baixados gratuitamente e lidos em qualquer dispositivo digital.

Clique nos títulos das obras a seguir para ter acesso aos conteúdos gratuitamente: Crônicas do Japão: Príncipe Toneri e Ō-no-Yassumaro e O Leviatã.


*Inclusão da participação do Instituto Mojo de Comunicação Intercultural no projeto