Revolução Constitucionalista

Levante paulista contra o governo Vargas pedia uma nova Constituição para o país

Por
Pedro Fuini
Data de Publicação

Revolução Constitucionalista
Segundo Jullyana Luporini de Souza, "muitos historiadores chamam esse movimento de 1932 como contra-revolução, já que almejava a volta de um regime que priorizava uma oligarquia regional" (Arte: Pedro Fuini)

Em 9 de julho de 1932, eclodia a Revolução Constitucionalista, liderada pelo estado de São Paulo contra o governo federal de Getúlio Vargas e reivindicando uma nova Constituição para o país. Jullyana Lopes Luporini Barbosa de Souza, mestre em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica também que “muitos historiadores chamam esse movimento de 1932 como contra-revolução, já que almejava a volta de um regime que priorizava uma oligarquia regional”.

No início do século 20, São Paulo (maior produtor café) e Minas Gerais (maior produtor de leite) se alternavam na presidência do país na chamada "política do café com leite".

Em 1930, São Paulo quebra a aliança elegendo presidente Júlio Prestes, que nem chegou a tomar posse. Elites gaúchas, paraibanas e mineiras, insatisfeitas com o domínio paulista, levaram Getúlio Vargas ao poder. Vargas aboliu a Constituição de 1891, os poderes legislativos e indicou interventores para comandar os estados.

“O levante de 1932 buscava restabelecer a relevância política de São Paulo diante da crescente centralização do estado durante o Governo Provisório, que era uma diretriz política do novo governo”, explica Souza.

As tropas paulistas resistiriam por três meses até serem derrotadas pelas forças federais. Apesar da derrota, dois anos depois seria promulgada uma nova Constituição.

Confira na íntegra a entrevista concedida por Jullyana Lopes Luporini Barbosa de Souza.

Serviço de Comunicação Social: Os revolucionários paulistas iniciaram em 09 de julho de 1932 um levante contra o governo federal de Getúlio Vargas. O que motivou esse movimento?

Jullyana Luporini de Souza: Para entender o levante de 1932 precisamos voltar alguns anos, mais precisamente dois anos antes, com o surgimento de um movimento político conhecido como Aliança Liberal que procurava romper com a hegemonia paulista no plano federal. Formada por uma ala de políticos dissidentes liderada por Getúlio Vargas e pelos tenentes, a Aliança Liberal conseguiu depor o presidente Washington Luís, pertencente ao Partido Republicano Paulista, que representava sobretudo os interesses da fração agroexportadora cafeeira. 

Esse movimento, que derrubou a chamada “República Oligárquica”, impôs mudanças na administração do Estado brasileiro que desagradou, sobretudo, uma parte da elite paulista desgarrada do poder, mas não só: o próprio Partido Democrático, antigo adversário do PRP e que tinha embarcado na Aliança Liberal como uma possibilidade de angariar prestígio e poder, se viu descontente com as articulações posteriores, principalmente com a crescente presença dos tenentes em assuntos do governo e a baixa capacidade do PD em articular pautas dentro do governo provisório. O Movimento de 1932 pode ser entendido, portanto, como uma reação às mudanças estabelecidas com o Governo de 1930 e ascensão de Getúlio Vargas como chefe do governo provisório. 

É um movimento articulado entre alguns estados como Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mas foi sobretudo em São Paulo que o movimento se galvanizou politicamente. Para além da perda da influência paulista - e quando dizemos paulista estamos no referindo sobretudo ao Partido Republicano Paulista e posteriormente ao Partido Democrático, que se aliou ao movimento de 32 - o levante de 1932 buscava restabelecer a relevância política de São Paulo diante da crescente centralização do estado durante o Governo Provisório, que era uma diretriz política do novo governo. 

Além disso, há outros motivos alegados pela Frente Única Paulista como a reconstitucionalização do país. Aliás, uma nova constituição era o carro chefe do Movimento, contudo Getúlio Vargas já tinha decretado, em 14 de maio de 1932, eleições para a Assembleia Constituinte a serem realizadas no ano seguinte. Mesmo assim, os ânimos da Frente Única Paulista (FUP) não foram pacificados. 

Segundo os paulistas, a retomada de um governo democrático liberal só poderia ser liderada por São Paulo, pela volta do federalismo e pela volta da constituição de 1891. Por isso, muitos historiadores chamam esse movimento de 1932 como contra-revolução, já que almejava a volta de um regime que priorizava uma oligarquia regional e que buscava cessar os parcos direitos de organização política e de leis que asseguram direitos aos trabalhadores das cidades. 

Serviço de Comunicação Social: Em sua dissertação de mestrado, você analisa o posicionamento das elites econômicas de São Paulo em relação ao movimento. Qual foi o papel desse grupo na condução da Revolução? A derrota abalou sua influência no estado?

Jullyana Luporini de Souza: Esse é um ponto bastante interessante de ser discutido. A memória de 1932 sempre atrelou o movimento como um movimento de ampla participação popular, praticamente hegemônico na população paulista. De fato, há relatos interessantes de mulheres que se organizaram em prol de campanhas como a do “Ouro pelo Bem de São Paulo”, houve a criação de um batalhão de negros conhecido como a Legião Negra, mas esse fato tem que ser analisado de maneira muito cuidadosa: como o historiador Lincoln Secco já afirmou, o fato de negros se alistarem no serviço militar em prol da causa paulista não significava que o racismo deixava de existir, inclusive esses combatentes eram mal recebidos quando chegavam de volta das batalhas e eram colocados na linha de frente para salvaguardar a juventude de classe média branca e de famílias remediadas nos combates. 

Também há contradições em relação à participação dos trabalhadores, principalmente dos operários que aproveitaram o momento de agitação política para realizar greves; o Partido Comunista do Brasil (PCB) não se mobilizou em prol do levante por considerá-lo uma guerra entre as elites que nada acumularia na luta de classes, e por esse motivo foram perseguidos.

É importante entender todas essas contradições quando analisamos 1932: de fato houve uma mobilização construída através da ideologia dos idealizadores do movimento que afetou o cotidiano e mesmo a aceitação da população paulista em defesa da constituição e contra a “ditadura” de Vargas e dos tenentes. A imprensa paulista foi fundamental neste processo e funcionou como uma máquina de propaganda poderosa: enquanto São Paulo sofria baixas, os jornais bradavam que a vitória contra o “ditador Vargas” estava próxima. 

O importante é salientar e deixar claro quem eram os principais agentes e lideranças de 1932: a elite econômica paulista, ligada à indústria, ao setor cafeeiro, uma plutocracia em decadência e políticos conservadores que perderam influência com o governo provisório e viam com maus olhos a aproximação de Getúlio Vargas com os trabalhadores. 

Por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) se sentia bastante incomodada com os avanços em relação aos direitos trabalhistas que estavam em vias de serem implementados, como pode ser averiguado na minha pesquisa através da análise de fontes da Federação. A oposição entre um governo que buscava (inclusive como estratégia política dentro dos marcos do capitalismo) conciliar o capital x trabalho, ou seja, “domesticar” os operários, era interpretado como um posicionamento de intervenção do Estado em “assuntos dos empresários”. Aliado a essa interpretação, à perda de prestígio e ao poder econômico político por setores da elite econômica paulista, a guerra de 1932 foi uma resposta reacionária a um governo que não era revolucionário. 

Contudo, a derrota militar não significou a derrota política para a elite paulista, pelo contrário: os tenentes perderam influência no governo provisório e foram relegados ao ostracismo político. Por outro lado, a Frente Única Paulista saiu fortalecida e conseguiu se manter unida através da via legal: disputou a Assembleia Constituinte de 1934 e conseguiu a maioria. Uma vitória imensa que restitui a força de São Paulo politicamente. Enquanto isso, o empresariado paulista organizado enxergaria na via parlamentar um novo espaço para disputar as suas pautas.

Serviço de Comunicação Social: O dia em que se comemora a Revolução de 1932 é a data magna do estado de São Paulo. O que esse levante representa ainda hoje para a história paulista?

Jullyana Luporini de Souza: É uma pergunta interessante porque envolve uma reflexão aprofundada dos sentidos da memória, principalmente da memória oficial. Como disse, apesar do ponto de vista bélico a derrota paulista ter sido descomunal, politicamente o movimento “ganhou” a guerra, ou seja, o discurso dos “vencedores” preponderou no imaginário.

Até hoje, as comemorações reforçam as representações do sentido da paulistanidade: a bravura dos soldados, os sacrifícios em prol de uma suposta democracia, do legalismo e da reconstituição. Todos esses valores podem ser discutidos e interpretados. Democracia em nome e para quem? Legalismo em nome do quê? Uma nova constituição ou a volta a constituição de 1891? Essas são perguntas incômodas ainda mais para parte de uma população que se engajou e continua celebrando 1932 como uma valorização da identidade paulista, como um momento coletivo em nome do bem maior, mesmo que esse bem maior não tenha sido explicitado ou processado.

Também não podemos negar ou esquecer que os valores ideológicos de 1932 expressavam muitos dos preconceitos da elite dominante paulista: xenofobia, ódio e superioridade racial, ideias que ecoam até hoje quando discursos conservadores propagam que esse estado sustenta o Brasil ou é a grande “locomotiva da nação”. Acho que não podemos deixar de refletir que a memória é um emaranhado de discursos, de experiências e narrativas apropriados por diversos grupos que participaram ou mesmo ouviram histórias sobre a bravura dos soldados paulistas, mas apesar dessa memória ser constituída por diversas versões, sempre uma se sobrepõe: e, neste sentido, acho que a ideologia da classe dominante se sobressai na maneira como ainda é celebrada a revolução de 1932, através dos monumentos, dos discursos e das comemorações (cada vez mais dispersas, mas assumidas atualmente por grupos de extrema-direita). 

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Jullyana Lopes Luporini Barbosa de Souza é mestre em História Econômica pela FFLCH e graduada pela mesma instituição. Sua pesquisa concentra-se na área de história do Brasil republicano; história das indústrias; burguesia industrial paulista. Sua dissertação de mestrado, com o título Entre a revolução e a Contra Revolução: o posicionamento da burguesia industrial paulista frente o governo de Getúlio Vargas de 1930 a 1932 está disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.