Nascimento de Walter Benjamin

O filósofo alemão é considerado um dos maiores intelectuais do século passado

Por
Pedro Fuini
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Walter Benjamin
"Benjamin ensinava que deveríamos compreender a história não apenas como uma sucessão de eventos, mas também como repositório coletivo da memória", explica Fernando Araujo Del Lama. (Arte: Pedro Fuini)

O filósofo Walter Benjamin nasceu em 15 de julho de 1892, em Berlim, Alemanha. Foi um multifacetado intelectual e escritor alemão e considerado um dos maiores intelectuais do século passado, sendo frequentemente associado à Escola de Frankfurt. “Apesar de nunca ter feito parte do núcleo duro do Instituto de Pesquisa Social, vinculado à Universidade de Frankfurt”,  afirma Fernando Araujo Del Lama, mestre e doutorando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Tal filiação se deu por conta da inspiração em fontes teóricas comuns [...] que produziu uma relação bastante complexa entre Benjamin e os principais membros do Instituto”, explica.

De acordo com Lama, os escritos de Benjamin abarcam uma diversidade de gêneros textuais e de temas. Uma de suas principais obras foi o ensaio A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica (1936). “No ensaio sobre A obra de arte, Benjamin está discutindo as mudanças introduzidas no mundo da arte pelas possibilidades de reprodução com o auxílio de um aparato técnico”, diz o pesquisador. “Assim, para delimitar os campos da arte tradicional e da arte tecnicamente reprodutível, Benjamin forja o conceito de aura.” Esse conceito está ligado à autenticidade da obra, sua singularidade no espaço e no tempo.

Na década de 1930, com a ascensão do nazismo na Alemanha, Benjamin se exilou em Paris. Com a ocupação nazista na França em 1940, é obrigado a fugir de Paris em direção à Espanha, onde embarcaria para os Estados Unidos. Em 26 de setembro de 1940, enquanto seu grupo aguardava na fronteira a autorização para entrar na Espanha, o filósofo, descrente e temendo ser capturado pelas tropas nazistas, ingeriu uma dose letal de morfina. Benjamin morreu no dia seguinte e o grupo pôde seguir livremente.

Confira na íntegra a entrevista concedida por Fernando Araujo Del Lama.

Serviço de Comunicação Social: Para os leitores que ainda não o conhecem, quem foi Walter Benjamin?

Fernando Araujo Del Lama: Walter Benjamin foi um multifacetado intelectual e escritor alemão, cujos gêneros textuais abrangeram do tratado monográfico ao conto, passando pela resenha, pela crítica literária e artística, pelo aforismo, pela peça radiofônica, pela tradução e pelo soneto, dentre outros, e trataram de um sem-número de temas, tais como a natureza da linguagem, o romantismo alemão, a educação e o universo infantil, a filosofia, o direito, a história, a literatura clássica (Goethe) e moderna (Baudelaire, Proust, Kafka, Brecht, dentre outros), o surrealismo e as vanguardas modernas, as transformações formais da obra de arte e o advento do cinema, apenas para mencionar alguns. Em geral, divide-se metodologicamente o percurso intelectual de Benjamin em dois grandes blocos: um jovem Benjamin, preocupado com a metafísica da linguagem e com a teologia judaica, e um Benjamin maduro, cujas reflexões foram marcadas pelo contato com as ideias de Karl Marx em 1923 e passaram a considerar a realidade material, colorindo, assim, sua obra com tons prático-políticos mais acentuados. O mais interessante é o modo como Benjamin, ao invés de opor materialismo e teologia, os congrega, aliando-os a outras matrizes teóricas, numa fusão sui generis de tradições de pensamento - fusão essa que é o tema do meu trabalho de doutorado.

Benjamin é comumente filiado à dita Escola de Frankfurt, apesar de nunca ter feito parte do núcleo duro do Instituto de Pesquisa Social, vinculado à Universidade de Frankfurt. Tal filiação se deu por conta da inspiração em fontes teóricas comuns - sobretudo o rebalanceamento entre teoria e práxis proposto por Georg Lukács em seu História e consciência de classe -, que produziu uma relação bastante complexa entre Benjamin e os principais membros do Instituto - Max Horkheimer e, principalmente, Theodor W. Adorno, com quem manteve correspondência epistolar regular e profícuo intercâmbio intelectual -, bem como com a corrente filosófica fundada por eles, a Teoria Crítica - relação essa que investiguei em meu trabalho de mestrado.

Serviço de Comunicação Social: Em seu ensaio mais famoso, A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936), o filósofo discorre sobre uma "aura" presente na obra de arte. Você poderia explicar qual a constatação do autor sobre isso?

Fernando Araujo Del Lama: No ensaio sobre A obra de arte, Benjamin está discutindo as mudanças introduzidas no mundo da arte pelas possibilidades de reprodução com o auxílio de um aparato técnico. Assim, para delimitar os campos da arte tradicional e da arte tecnicamente reprodutível, Benjamin forja o conceito de aura. A definição oferecida por ele - algo como "um estranho tecido fino de espaço e tempo: aparição única de uma distância, por mais próxima que esteja" - de fato, não ajuda muito em sua compreensão; para começar a entendê-lo adequadamente, é preciso contextualizá-lo ao conceito de autenticidade, o "aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra". Por exemplo, a escultura original Pietà, de Michelangelo, que está situada na Basílica de São Pedro, no Vaticano, possui uma aura, já que sua autenticidade é garantida por sua existência única, no espaço e no tempo. A experiência de "respirar" sua aura só é possível se avistarmos a imponência da Basílica a partir da Praça de São Pedro, estranharmos o Obelisco egípcio em seu centro, tomarmos ansiosamente nosso lugar na fila e peregrinarmos lentamente até a Basílica, avistarmos a Pietà de longe, à direita da entrada, para, enfim, nos aproximarmos da obra. Por mais fiéis que sejam suas reproduções, elas jamais possuirão essa aura, já que elas não são únicas nem no espaço, tampouco no tempo - elas usualmente se reportam, aliás, à obra original. O mesmo vale para a pintura, para os espetáculos teatrais e para os concertos musicais. No entanto, se aplicarmos a mesma lógica às obras de arte tecnicamente reprodutíveis - sejam elas uma fotografia, uma produção cinematográfica ou fonográfica -, veremos que não faz sentido a existência de uma obra original, na medida em que o mesmo negativo ou fotograma, por exemplo, dá origem a uma infinidade de fotografias ou filmes idênticos. Essas últimas, portanto, não possuem aura. De acordo com Benjamin, havia um sentido positivo nessa ausência de aura, na medida em que ela permite uma difusão mais ampla dos objetos artísticos, bem como uma exposição mais democrática ao público. Pois, na era da arte tradicional (ou aurática), as obras ficavam restritas a um seleto público, frequentadores de galerias, museus, teatros e salas de concerto; daí que Benjamin atribuía à queda da aura um potencial revolucionário.
Essas breves considerações visam introduzir a temática da queda da aura ao leitor diletante; obviamente, elas não dispensam a leitura integral do ensaio, cujas diferentes versões possuem fácil acesso em português. Somente através da leitura integral do ensaio, o leitor poderá aprofundar-se em temáticas que alicerçam o ensaio, tais como o confronto ao fascismo, a oposição entre valor de culto e valor de exposição, a emergência de uma recepção tátil e o caráter histórico da sensibilidade, dentre outros.

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o legado que Benjamin deixou para a filosofia ocidental?

Fernando Araujo Del Lama: Eu diria que o legado de Benjamin divide-se em duas grandes vertentes, uma mais consensual e difundida e uma pouco explorada. Ele reside, por um lado, na reflexão a respeito do papel da história e, por outro, na necessidade de compreendermos as particularidades das novas mídias como um meio privilegiado para a compreensão da dinâmica da sociedade. Quanto ao primeiro ponto, Benjamin ensinava que deveríamos compreender a história não apenas como uma sucessão de eventos, mas também como repositório coletivo da memória: ele advogava a manutenção da memória dos oprimidos do passado viva para que, inspirados pelo sofrimento deles e com o sonho utópico no horizonte de nossas ações, nos motivemos a "organizar o pessimismo" diante das mazelas em meio às quais nos encontramos, em busca de uma transformação radical de nossa realidade que faça jus às expectativas de nossos antepassados. Por exemplo, as Comissões da Verdade realizadas recentemente em países latino-americanos, com o intuito de investigar os abusos de seus regimes ditatoriais, elaboraram, de maneira paradigmática, um esforço de reavivar a memória das vítimas desse período.
Quanto ao segundo ponto, Benjamin foi um grande entusiasta do potencial transformador do aparelho sensorial provocado pela ascensão hegemônica de novas mídias de massa em sua época, particularmente o cinema e o rádio, e de seus efeitos sociais: na sala de exibição, o filme preparava, através da técnica da montagem, de maneira lúdica, os trabalhadores-espectadores para lidar com os choques e as com diversas interrupções na temporalidade que se tornaram norma na sociedade moderna, ao passo que o rádio permitia a escuta de uma emissão a grandes distâncias, dispensando a necessidade da presença do emissor e do receptor em um mesmo ambiente. Ora, em uma era de aceleração do tempo e surgimento incessante de novas formas de mídia, impulsionadas pela internet, parece-me fundamental que sigamos o exemplo benjaminiano e dediquemos atenção especial a fenômenos tais como a abundância de conteúdo oferecida serviços de streaming (Netflix, Spotify, etc.), bem como seus possíveis reflexos sociais (Síndrome de FOMO, etc.) ou o encurtamento da atenção do indivíduo contemporâneo, perceptível na popularização do TikTok, que deixa entrever uma mudança radical no aparelho perceptivo-cognitivo. Essa transformação no paradigma da atenção já havia sido identificada por Benjamin em sua época, como a transição de uma atenção baseada no recolhimento (Versenkung) para uma baseada na distração (Ablenkung), e, certamente, atinge um novo patamar agora. Cabe, assim, aos seus herdeiros se debruçarem sobre essa sorte de questões.

A pesquisa de Fernando Araujo Del Lama concentra-se em Teoria Crítica, sobretudo na geração da Escola de Frankfurt, com foco na obra de Walter Benjamin. Sua dissertação de mestrado, defendida em 2017, com o título Diagnóstico de época e declínio da experiência em Walter Benjamin: uma abordagem dos escritos da década de 30, encontra-se disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.