Rachel de Queiroz é a primeira mulher eleita para a ABL

Reconhecida como a primeira "imortal" da ABL, Rachel de Queiroz abordou em seus romances os problemas sociais do sertão do início do século 20

Por
Alice Elias
Data de Publicação

Rachel de Queiroz é a primeira mulher eleita para a ABL
Segundo Rafaela Palharine, "a escritora regionalista descreveu a seca, a fome, a miséria e a sede de maneira singular." (Arte: Alice Elias)

 

“Mulher sertaneja forte e capaz” e primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL), Rachel de Queiroz foi uma escritora, romancista e cronista emérita brasileira, autora de obras como O quinze, As três Marias, e Caminho de Pedras. Foi  a quinta ocupante da Cadeira 5 da ABL, na sucessão de Candido Motta Filho e recebida pelo Acadêmico Adonias Filho.
Conversamos com Rafaela Simonelli Palharine, mestre em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sobre o legado da romancista que era uma “mulher à frente de seu tempo”.
 

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Rachel de Queiroz?

Rafaela Palharine: Reconhecida nacionalmente e internacionalmente pelo romance O quinze e sempre lembrada como a primeira “imortal” da ABL, Rachel de Queiroz foi uma escritora cabal, romancista, cronista, dramaturga, jornalista, além de conceituada tradutora.
Nascida em Fortaleza, no ano de 1910, pertencia a uma família de intelectuais e sempre fora incentivada a ler a “boa” literatura. Rachelzinha, como era conhecida em ambiente familiar, começou a colaborar para o jornal "O Ceará" com o pseudônimo de “Rita de Queluz”, aos 16 anos. Posteriormente, assumiu sua identidade com a publicação do romance O quinze (1930), escrito quando estava com apenas 19 anos, doente, deitada de bruços, com a iluminação de um lampião, como ela relatou em uma entrevista concedida ao "Cadernos de Literatura Brasileira" (1997).

Ainda muito jovem foi reconhecida e premiada pelos seus romances. Em sua trajetória, Rachel conquistou notáveis honrarias, como o Prêmio Machado de Assis em 1957, pelo conjunto de sua obra, a Medalha Rio Branco recebida do Itamaraty em 1985, o Prêmio Luís de Camões em 1993, entre tantos outros.

Era uma mulher de forte opinião e envolvimento político, em 1937, época da Ditadura Vargas, foi presa e acusada de ser comunista. Durante o período de dois anos de prisão, ela escreveu seu terceiro romance, a obra Caminho de Pedras.

O romance As três Marias, livro de 1939, recebeu uma adaptação de Wilson Rocha e foi televisionado em 1980. No ano de 1992, com mais de oitenta anos, Rachel de Queiroz publicou Memorial de Maria Moura, romance de grande sucesso que também foi adaptado, em 1994, como minissérie para a televisão.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Rafaela Palharine: Como cronista, publicou milhares de textos, há menção de autoria de mais de duas mil crônicas no site da ABL. Colaborou para conceituados periódicos como "Diário de Notícias", "O Jornal" e o "Estado de São Paulo".

Em relação à prosa, a escritora regionalista descreveu a seca, a fome, a miséria e a sede de maneira singular. Marcada pela escrita objetiva, linguagem quase sempre coloquial e com um olhar feminino e atento aos detalhes do cotidiano do sertanejo nordestino. Abordou em seus romances os problemas sociais do sertão do início do século XX, os quais, infelizmente, ainda perpetuam no século XXI.

Rachel de Queiroz, uma mulher à frente do seu tempo, também destacou a figura da mulher sertaneja forte e capaz. Já no seu primeiro romance, apresentou aos leitores a quebra de paradigma, a personagem Conceição. Era uma jovem de 22 anos, culta, professora e que não tinha pretensão de arrumar um casamento ou constituir família, algo excêntrico para as primeiras décadas dos anos 90.

A emancipação da mulher brasileira, tema tão atual, faz parte da obra de Rachel, em As três Marias, romance de 1939, a liberdade tão sonhada pela personagem Guta, não é sonho das jovens mulheres de hoje?

As “mulheres” de Rachel de Queiroz requerem estudos e valorização, elas ainda são a nossa atualidade.

Serviço de Comunicação Social: Em sua dissertação de mestrado, você analisa as crônicas na qual a autora aborda a Segunda Guerra Mundial. Você poderia falar um pouco sobre como Rachel de Queiroz estabeleceu essa relação?

Rafaela Palharine: Durante a Segunda Guerra, a escritora colaborava para vários periódicos, porém escolhi as crônicas publicadas no "Correio da Manhã", um dos jornais mais respeitáveis da época, para a elaboração do estudo.

Comparando Rachel de Queiroz com outros dois cronistas de guerra, Jorge Amado e Rubem Braga, analisei que a escritora abordou os acontecimentos pelos aspectos líricos, ligados às questões humanas, seus textos abordavam do Fascismo ao singelo recado informando à família sobre a morte de um soldado, ou até mesmo sobre um breve romance de uma “mocinha” brasileira com um soldado americano; reflexões, textos, críticas com as mais diversas questões envolvidas no conflito bélico mundial.

Sendo, notoriamente, diferente de Jorge Amado que abordava vertentes políticas e de Rubem Braga, cronista de testemunho da Guerra, acompanhante da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália.

Compreendi que, em sua atividade literário-jornalística, Rachel utilizou-se, principalmente, de três procedimentos para a elaboração de seus textos: o sentimentalismo, a ironia e a intertextualidade.

É perceptível que, nas crônicas analisadas, há o apelo ao sentimentalismo através de hipérboles, descrições minuciosas sobre a vida humilde e a ”alma pura” dos seus personagens, ou ainda questionando o leitor sobre as barbáries da Guerra. A ironia foi construída de maneira sutil, sempre contextualizada e ligada às questões culturais e/ou históricas.

Em relação à intertextualidade, a cronista recorreu aos mais relevantes escritores da literatura universal para elaborar diversos paralelismos com sua escrita, assim, destrinchando para o leitor parte do seu conhecimento erudito.

Rafaela Simonelli Palharine é mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH USP. Para quem se interessar sobre o tema, sua dissertação de mestrado está disponível em  A Segunda Guerra Mundial nas crônicas de Rachel de Queiroz (1944-1945): diálogos.