"A Revolução dos Bichos", de George Orwell, é publicado

Clássico da literatura mundial, "A Revolução dos Bichos" foi publicado em 1945

Por
Alice Elias
Data de Publicação

"A Revolução dos Bichos", de George Orwell, é publicado
Segundo Débora Tavares, "Trata-se de uma obra que está dentro da fase satírica do autor, em que ele de maneira intencional se propôs a escrever 'literatura política em forma de arte'". (Arte: Alice Elias)

 

Em 1945, George Orwell publicou A Revolução dos Bichos, considerado um clássico da Literatura e uma das obras mais famosas do autor. Por meio de uma escrita clara e objetiva, mecanismo adotado para ser compreendido por muitas camadas sociais, Orwell adotou a sátira para denunciar os problemas do autoritarismo stalinista durante a Revolução Russa.

“Orwell fez isso de maneira brilhante por meio da construção dos personagens, que aqui são alegóricos. Ou seja, cada animal representa uma figura histórica e o comportamento deles na narrativa faz um comentário crítico e político aos eventos históricos”, explica Débora Reis Tavares, doutora em Literatura Inglesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O autor, declaradamente socialista, trata de temas como a ascensão do autoritarismo, a instauração de uma ditadura, a propaganda ideológica, a censura, e a perseguição. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Qual a importância de A Revolução dos Bichos para a Literatura? Em linhas gerais, quais as temáticas abordadas pela obra?

Débora Tavares: Essa é a penúltima obra publicada por Orwell em 1945 e a que lhe trouxe renome literário e conforto financeiro. Trata-se de uma obra que está dentro da fase satírica do autor, em que ele de maneira intencional se propôs a escrever "literatura política em forma de arte" conforme o próprio autor menciona no seu célebre ensaio Por Que Escrevo (1946). Em A Revolução dos Bichos temos o uso da sátira para comentar eventos históricos de maneira crítica, aqui isso funciona de maneira a denunciar as mazelas da ascensão autoritária do stalinismo durante a Revolução Russa. O Orwell fez isso de maneira brilhante por meio da construção dos personagens, que aqui são alegóricos. Ou seja, cada animal representa uma figura histórica e o comportamento deles na narrativa faz um comentário crítico e político aos eventos históricos, por isso o porco Napoleão é autoritário, por ser uma alegoria ao Stálin, da mesma maneira que as ovelhas repetem os lemas de maneira vazia, como um comentário à propaganda ideológica. As camadas interpretativas são diversas dentro dessa obra e, novamente, conforme o próprio Orwell no prefácio à obra para a edição ucraniana: "pensei em denunciar o mito soviético numa história que fosse fácil de compreender por qualquer pessoa e fácil de traduzir para outras línguas (...) Não quero comentar a obra; se ela não falar por si mesma, é porque fracassou. Mas gostaria de sublinhar dois pontos: primeiro, que embora seus vários episódios tenham sido tirados da história real da Revolução Russa, foram tratados de maneira esquemática, e sua ordem cronológica foi alterada; isso foi necessário para dar simetria à narrativa".

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de George Orwell em A Revolução dos Bichos?

Débora Tavares: Esse é um livro ótimo para se começar a ler Orwell, pois aqui temos o seu estilo mais característico: a escrita objetiva, clara e ao mesmo tempo repleta de crítica social e com uma composição literária formal complexa. Ele se preocupava muito em escrever de maneira clara, o que para ele significava que "a boa prosa é como uma vidraça" (também uma afirmação do ensaio Por Que Escrevo). Ou seja, o requinte de Orwell está em se fazer entender. Por meio de uma linguagem clara e que pode ser compreendida por muitas camadas sociais, ela funciona como uma vidraça clara e límpida em que o leitor pode observar com facilidade a imagem através dela. A sensação de entender o que está sendo dito e de aprender com o texto literário demonstra o caráter didático da literatura, algo que o professor Antonio Candido sempre comenta. Assim, isso fica evidente ao longo de toda a obra de Orwell, e um dos motivos principais pelos quais A Revolução dos Bichos ainda é tão lido até hoje.

Serviço de Comunicação Social: De que forma o romance consolida o caráter social presente em muitas das suas obras?

Débora Tavares: Uma das questões principais do livro é a crítica ao stalinismo, uma preocupação política do autor desde 1936, conforme ele mesmo afirma em Por Que Escrevo: "Todas as linhas das obras sérias que escrevi a partir de 1936 foram escritas, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como eu o entendo". Esse é um assunto muito delicado, pois costuma-se fazer uma leitura equivocada em que a crítica do regime autoritário do Stálin é vista como uma crítica ao comunismo e ao socialismo, o que não passa de uma leitura rasa e desleal da obra de Orwell. Temos um autor socialista que, por meio da forma narrativa ao usar a alegoria, a sátira e o formato da fábula movimenta elementos como narrador, personagens, tempo e espaço para transpor temas como a ascensão do autoritarismo, a instauração de uma ditadura que começa planejada como a do proletariado - aqui todos os animais da fazenda - para ser aquela de um pequeno grupo - aqui, os porcos - que se impõe por meio da censura e da perseguição. Segundo o próprio Orwell, ainda no prefácio da edição ucraniana "Muitos leitores podem acabar de ler o livro com a impressão de que ele termina com uma reconciliação total entre os porcos e os seres humanos. Minha intenção não foi essa; ao contrário, eu desejava que o livro terminasse com uma nota enfática de discórdia, pois escrevi o fim imediatamente depois da Conferência de Teerã, que todos julgaram ter estabelecido as melhores relações possíveis entre a URSS e o Ocidente".

Débora Reis Tavares é mestre e doutora em Literatura Inglesa pelo Departamento de Letras Modernas da FFLCH. Tem como foco de estudo as relações entre literatura e sociedade, especialmente a obra de George Orwell. Autora de ensaios sobre o autor, dentre eles o posfácio "A esperança vem do plural” da edição de 1984 de George Orwell, publicada pela editora Antofágica. Professora e fundadora da Livre Literatura, onde oferece cursos sobre literatura, relações entre arte e sociedade, assim como metodologia de pesquisa.