Revolução dos Cravos

O movimento derrubou o regime ditatorial Salazarista, vigente desde 1933

Por
Alice Elias
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Revolução dos Cravos
"A Revolução dos Cravos foi, como imprime o próprio nome, um evento revolucionário, ou seja, um fenômeno de transformação social, política e econômica ocorrido em Portugal em meados dos anos 70", afirma Rodrigo Pezzonia. (Arte: Alice Elias)

 

O dia 25 de abril marca um dos eventos mais importantes da história de Portugal, que ocorreu em 1974. Conhecido como Revolução dos Cravos ou Revolução de 25 de Abril, o movimento eclodiu a partir do profundo descontentamento com o regime ditatorial do Estado Novo de António de Oliveira Salazar, vigente desde 1933.
O Estado Novo português se consolidou em um contexto de ascensão do fascimo e de regimes totalitários, marcados por figuras como Adolf Hitler na Alemanha, Benito Mussolini na Itália e Francisco Franco na Espanha. O fim da Segunda Guerra Mundial promove o fim dos governos de Hitler e Mussolini, mas os de Franco e Salazar não sofreram intervenção externa e se mantiveram até a década de 1970.

A Revolução de 25 de Abril derrubou o salazarismo e deu início à implantação de um regime democrático no país. Foi liderada por um vasto grupo, composto por civis, exilados, políticos, artistas, intelectuais, profissionais do próprio Estado ditatorial e, diferentemente da maioria das revoluções, militares. Os militares, em sua maioria capitães ligados à esquerda portuguesa, se revoltaram contra as guerras de independência nas colônias portuguesas na África.
Foi um evento revolucionário que resultou em muitas transformações políticas, econômicas e sociais em Portugal, mas também teve repercussões internacionais – como o processo de independência das colônias portuguesas na África. No Brasil, além de promover uma porta de ação para a militância no exílio, foi um símbolo de esperança em meio à ditadura militar brasileira, vigente desde 1964.

“Portugal então torna-se um espaço de contestação de brasileiros em terras europeias. De lá, livros são publicados, protestos são realizados, moções são editadas pela Assembleia da República portuguesa e enviadas para o governo brasileiro, os jornais portugueses abrem espaço para denúncias contra a ditadura brasileira e, talvez, o mais importante,  os militantes no exílio passam a ter contato com a esquerda europeia, sobretudo a social democrata, e, por fim, acabam por tentar transpor esta filosofia política para o Brasil, a partir da figura de Brizola e jovens sobreviventes da resistência armada ao regime”, afirma Rodrigo Pezzonia, doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: O que foi a Revolução dos Cravos, e quais as principais causas que motivaram esse movimento?

Rodrigo Pezzonia: A Revolução dos Cravos foi, como imprime o próprio nome, um evento revolucionário, ou seja, um fenômeno de transformação social, política e econômica ocorrido em Portugal em meados dos anos 70.
Este fenômeno portou algumas peculiaridades em relação a outros movimentos revolucionários e, talvez, a mais gritante tenha sido o fato de ser executada pelas mãos de militares, o que não seria grande novidade dado o período em questão, sobretudo no que se refere aos golpes militares latino-americanos, mas diferentemente do que ocorria do outro lado do Atlântico, o MFA (Movimento das Forças Armadas) era formado em sua maioria por capitães ligados à esquerda portuguesa. Muitos deles, inclusive, ligados ao Partido Comunista Português, assim como outras vertentes deste espectro ideológico.

Para além do descontentamento popular em relação à ditadura em si, a causa mais evidente se deu pelo processo paulatino de descontentamentos destes militares no que se refere às guerras de independência que ocorriam nas colônias portuguesas na África.

É importante também destacar que a Revolução não se deu apenas pelas mãos dos militares. Personalidades civis da oposição ao regime, muitas, inclusive, no exílio (como o caso de Mário Soares, que mais adiante ocuparia o cargo de Primeiro-Ministro) tiveram importância para o desenrolar do movimento.

Mas, grosso modo, personalidades ligadas a políticos, artistas, intelectuais e profissionais oriundos do próprio Estado ditatorial, foram atores atuantes no processo que desvelou a Revolução de 25 de Abril.

Serviço de Comunicação Social: Qual era o contexto político em Portugal quando a Revolução teve início?

Rodrigo Pezzonia: O contexto está inserido, no meu ponto de vista, ainda num processo de rescaldo dos acontecimentos da Europa da primeira metade do século 20, sobretudo no que diz respeito aos movimentos de cunho fascista que surgem a partir da década de 20, tomam força na década de 1930, e que culmina na II Grande Guerra.
Temos que considerar que o salazarismo é oriundo desse período histórico, já que o Estado Novo português se inicia pelas mãos de Antônio Salazar, no ano de 1933, o que, aliás, coincide com a ascensão de Hitler como Chanceler na Alemanha. Mussolini já estava no poder desde a década anterior e, três anos depois de Salazar tomar o poder, outra figura de tons fascistas, Francisco Franco também tomaria o país vizinho, a Espanha, e seria uma espécie de laboratório para técnicas futuramente usadas pelos nazistas na II Guerra.

O Fim da Guerra acaba por expurgar esses governos na Alemanha e Itália, mas, talvez pelo fato de Espanha e Portugal terem posição discreta na guerra, beirando a neutralidade, esses governos não tiveram intervenção externa e permaneceram ativos até a década de 1970.

Portugal entra com Salazar em um período de forte repressão contra os opositores do regime, encarnado, principalmente, após 1945, na Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).

Serviço de Comunicação Social: Quais as maiores repercussões e consequências (inclusive culturais) desse movimento?

Rodrigo Pezzonia: Inicialmente, a Revolução apresentou um cenário de incertezas políticas muito grande em Portugal. O movimento que levou à Revolução era deveras fragmentado. As vertentes da esquerda (socialistas, maoístas, stalinistas, social-democratas, etc.) se digladiavam pela frente do regime revolucionário, que teve 6 governos provisórios em 2 anos de processo revolucionário.

Mas, por outro lado, a abertura cultural foi imensa a ponto de assustar aquela sociedade basicamente rural que havia ficado obsoleta com os 50 anos de governo salazarista. Os portugueses tiveram acesso à música, teatro, cinema, artes plásticas e toda uma gama de atividades artísticas que eram censuradas pelo regime ditatorial antecedente.
E não podemos esquecer de dizer que muito dessa cultura que caíra feito um meteoro na vida dos portugueses era oriunda do Brasil, sobretudo a música e, claro, as telenovelas. Podemos dar como exemplos a música que Chico Buarque compusera em homenagem à revolução e, claro, a primeira novela tupiniquim aportada por lá – já no período posterior ao processo revolucionário - que foi Gabriela, Cravo e Canela, novela baseada na obra de Jorge Amado, cujo passado como militante do Partido Comunista sempre foi notório.

Serviço de Comunicação Social: A Revolução repercutiu no Brasil?

Rodrigo Pezzonia: A Revolução não afetou apenas Portugal. Afetou, e muito, as esquerdas brasileiras que viram ali uma oportunidade: por um lado, uma revolução à esquerda e anticolonialista na porta de entrada da Europa e realizada por militares dava esperanças para a militância no Brasil e uma porta de ação para a militância no exílio.

Foi para Portugal que parte dos exilados brasileiros se deslocaram após o Golpe contra Allende no Chile, ocorrido em setembro de 1973, ou seja, seis meses antes da revolução portuguesa.

Portugal então torna-se um espaço de contestação de brasileiros em terras europeias. De lá, livros são publicados, protestos são realizados, moções são editadas pela Assembleia da República portuguesa e enviadas para o governo brasileiro, os jornais portugueses abrem espaço para denúncias contra a ditadura brasileira e, talvez, o mais importante,  os militantes no exílio passam a ter contato com a esquerda europeia, sobretudo a social democrata, e, por fim, acabam por tentar transpor esta filosofia política para o Brasil, a partir da figura de Brizola e jovens sobreviventes da resistência armada ao regime (grupo ao qual Brizola se referia como a “Turma do Gatilho”) que, já em terra brasileira, após o fiasco em restabelecer o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criaram o PDT (Partido Democrático Trabalhista). Mais adiante, alguns destes militantes saíram do PDT e fundaram outros partidos, como o Partido Verde (PV) e o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), este último que teria papel preponderante na política brasileira, rivalizando com o Partido dos Trabalhadores (PT) pelas próximas 3 décadas.

Rodrigo Pezzonia é graduado em História, mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas e doutor em História Social pela FFLCH. É autor do livro Guarda um Cravo para Mim: os exilados brasileiros em Portugal (Alameda, 2017) e Omissão um Tanto Forçada: exílio e retorno em Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque (Alameda, 2019). Tem experiência na área de História e Sociologia, com ênfase em História do Brasil Contemporâneo e Sociologia da Cultura. Atua nos seguintes temas: Ditadura Militar, Transição Democrática, Exílios, Música Popular Brasileira.