Fim da Guerra do Vietnã

Servindo de palco para a disputa mundial entre as superpotências capitalista e comunista, o fim da ​​​Guerra do Vietnã representou a derrota americana no leste asiático

Por
Paulo Andrade
Data de Publicação

Guerra do Vietnã
De acordo com a cientista política Natália Mello: "A partir de 1969, o governo Nixon se empenhou em continuar a Guerra no Vietnã até conseguir conquistar o que ele nomeava de “paz com honra”, ou seja, evitar uma saída humilhante dos americanos e a subsequente derrota de Saigon para o Vietnã do Norte". (Arte: Ricardo Freire)

A Guerra do Vietnã percorreu as décadas de 1950, 60 e 70 intimamente relacionada à Guerra Fria, servindo de palco para a disputa mundial entre as superpotências capitalista e comunista.

Conversamos com Natália Nóbrega de Mello, doutora em ciência política pela FFLCH USP e pela Harvard University, e pesquisadora em história do pensamento político e relação entre intelectuais e poder, que explicou os bastidores, a presença chinesa na guerra e o contexto geopolítico do conflito.

Serviço de Comunicação Social: A retirada das tropas americanas e a posterior ocupação da cidade de Saigon pelo exército norte-vietnamita é tida como o marco do fim da Guerra do Vietnã. De que forma o fim da guerra alterou o cenário geopolítico da Guerra Fria? 

Natalia Mello: O maior impacto geopolítico da Guerra do Vietnã ocorreu, na realidade, muito antes da queda de Saigon em 1975. As principais mudanças geopolíticas tiveram início por causa do amplo choque provocado pela Ofensiva Tet, em 1968. Durante 48 horas as guerrilhas realizaram um ataque repentino, coordenado em diferentes regiões do país e direcionado, sobretudo, às cidades. Os territórios nos quais havia um maior controle dos Estados Unidos e do Vietnã do Sul pareciam ser alvos fáceis de ataque e até mesmo a embaixada norte-americana foi ocupada por algumas horas. Simbolicamente, a ofensiva foi um grande sucesso para os comunistas e provocou um grande choque. A partir daquele momento o movimento antiguerra nos Estados Unidos cresceria e o governo seria pressionado a encerrar a intervenção. 

A partir de 1969, o governo Nixon se empenhou em continuar a Guerra no Vietnã até conseguir conquistar o que ele nomeava de “paz com honra”, ou seja, evitar uma saída humilhante dos americanos e a subsequente derrota de Saigon para o Vietnã do Norte. Para conseguir isso, ele precisava reduzir a pressão para se encerrar a guerra, o que Nixon buscou fazer com a estratégia de “Vietnamização”, ou seja, passar a Saigon as responsabilidades pelas batalhas e diminuir as tropas norte-americanas. Além disso, Nixon daria um passo audacioso para tentar encerrar a guerra, buscando restaurar relações com a China, o maior aliado do Vietnã do Norte. Esperava-se assim que os chineses incentivassem os vietnamitas a fazer um acordo de paz com os Estados Unidos, o que não ocorreu. Mas a aproximação com a China também tinha um outro propósito, que era reduzir a importância estratégica do Vietnã na política externa norte-americana e voltar-se para outras questões globais. 

Começaria, assim, uma relação triangular entre Estados Unidos, China e URSS, que contribuiria para redução das tensões entre as duas superpotências, já que a União Soviética não podia arriscar a aliança entre seus dois rivais, chineses e americanos. Provocou-se uma profunda alteração na Guerra Fria, nos quais as superpotências aceitavam um certo grau de restrição mútua e coexistência. As tentativas de formar um acordo sobre o Vietnã (concluído apenas em 1973) contribuíram, desta forma, para se alcançar o período auge da détente. 

O fim efetivo da Guerra do Vietnã, dois anos depois da saída dos EUA do conflito, teve um impacto menor na geopolítica da Guerra Fria e maior na política doméstica norte-americana. Kissinger sabia que os Acordos de Paris de 1973 poderiam levar a uma queda subsequente de Saigon, que já não poderia mais contar com tropas massivas americanas, no entanto, o secretário esperava que se isso ocorresse, haveria ao menos um “intervalo decente” entre a saída dos EUA e a queda do Vietnã do Sul, o que garantiria a “paz com honra” de Nixon. A fuga dos últimos soldados, diplomatas e correspondentes de imprensa de Saigon, competindo caótica e desesperadamente por um lugar nos helicópteros que evacuavam a embaixada norte-americana em 1975 deram, de fato, um final humilhante para a guerra. Este evento somado ao escândalo de Watergate e a renúncia de Nixon em 1974 deixaram os Estados Unidos em uma grave crise política que se prolongaria durante anos. Não é à toa que na primeira eleição após estes eventos, o candidato vitorioso (Carter) foi aquele que prometeu recuperar a moralidade na política norte-americana.

Serviço de Comunicação Social: As grandes potências intervindo militarmente em países mais pobres com intenções escusas ao discurso adotado ainda é uma prática presente atualmente, como é o caso do Síria, por exemplo. Quais eram os interesses de EUA e URSS para se envolverem na Guerra do Vietnã?

Natalia Mello: Na realidade, o principal aliado vietnamita durante a maior parte da guerra foi a China e não a União Soviética. O fato do Vietnã do Norte ter optado, no fim da década de 50, por reconquistar o Vietnã do Sul por meio de uma guerra de guerrilha já revela a aproximação com os chineses e a adesão à estratégia maoísta. Além disso, depois da Crise dos Mísseis em Cuba, a URSS tendeu a se tornar uma potência mais comprometida com a estabilidade do que um país revolucionário e era a China que emergia como uma nação revolucionária na década de 1960. No entanto, os soviéticos tinham interesse em demonstrar aos países comunistas o seu compromisso com Hanoi, por isso mantiveram ao longo de todos os anos o fornecimento de armas e ajuda ao Vietnã do Norte. Os vietnamitas, por sua vez, também tinham algum receio da estratégia de coexistência de soviéticos e se sentiam mais atraídos e influenciados pelos chineses, mas mantinham interação com a URSS e também souberam explorar esta relação quando convinha.  

O envolvimento norte-americano se explica pela centralidade que atribuíam a defesa da Europa e do Leste Asiático no início da Guerra Fria. Consideradas regiões estratégicas, buscou-se evitar uma derrota aos comunistas mesmo em países menos importantes na área, como era o Vietnã. Além disso, na década de 1950, predominava o raciocínio da doutrina do dominó, para o qual qualquer derrota poderia se alastrar para os outros países. É pouco reconhecido, no entanto, que do início da Guerra Fria até fins de 1950, mesmo considerando o Sudeste Asiático uma região estratégica e receando uma queda subsequente de peças, ainda assim, a intervenção norte-americana na época foi bastante moderada e a intervenção direta no conflito não ocorreu de imediato, sendo postergado e optando-se reiteradamente pela adoção de medidas mínimas que impedissem uma queda no curto prazo (envio de armas, envio de consultores e assessores militares, etc.). A cada nova remessa de ajuda, no entanto, mais os Estados Unidos se comprometiam com Saigon e mais difícil se tornava abandonar o aliado e permitir a derrota. Em meados da década de 1960, a única forma de garantir isso era escalando a guerra. No mesmo período, a Guerra Fria estava sendo profundamente alterada e ao longo daqueles anos da década de 1960 a détente progredia. Neste momento, manter-se no Vietnã e garantir uma vitória, ou ao menos impedir uma derrota humilhante, envolvia também – e talvez principalmente – uma preocupação com o prestígio norte-americano e não apenas com o impacto que teria o fracasso para o Sudeste Asiático.