Dia D: Desembarque na Normandia

Em 6 de junho de 1944, as forças aliadas desembarcaram na Normandia em meio à Segunda Guerra Mundial

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

“O Dia D enfraqueceu ainda mais a Alemanha nazista ao obrigá-la a lutar num novo front enquanto enfrentava desgastes crescentes na guerra contra a União Soviética e perdia apoio essencial na sua vizinhança, especialmente na Itália”, afirma Marcos Guterman. [arte: Renan Braz]

O dia 6 de junho de 1944 ficou marcado na história como Dia D. No contexto da Segunda Guerra Mundial, os exércitos se dividiam basicamente entre países aliados, que tinham Reino Unido, França, Estados Unidos e União Soviética como forças mais importantes, e países do eixo, formado principalmente por Alemanha, Itália e Japão. O Dia D, que ocorreu já nos últimos anos da guerra, foi o dia do desembarque das forças Aliadas na Normandia (França), tomada pelos nazistas alemães.

Na época, a derrota do eixo era iminente: Mussolini, líder do fascismo italiano e aliado de Hitler, havia sido deposto no ano anterior e a Alemanha perdia cada vez mais força no oriente. Com isso, os aliados pretendiam acelerar a queda de seus rivais por meio da retomada do norte da França, no Dia D, com a chamada Operação Netuno, liderada pelo general norte-americano Dwight Eisenhower.

Prevendo o ataque dos aliados, Hitler montou na Normandia uma defesa estratégica. Mesmo assim, a investida foi feroz e o eixo não foi capaz de impedir o sucesso de seus adversários nessa batalha, que durou mais de um ano e desgastou ainda mais a Alemanha nazista e seus parceiros.

Embora tenha agilizado esse processo, o Dia D não deve ser considerado o único momento responsável pelo fim da Segunda Guerra. “Deve-se considerar que, naquela altura, os profundos revezes alemães na União Soviética já faziam o regime de Hitler balançar. O Dia D, malgrado todos os seus méritos, apenas ajudou a acelerar a derrota nazista”, explica Marcos Guterman, jornalista e doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

No pós-guerra, as repercussões do Dia D contribuíram com o desenvolvimento da indústria cultural norte-americana e elegeram Eisenhower Presidente dos Estados Unidos alguns anos mais tarde. Os sinais da ocorrência de uma guerra entre União Soviética e Estados Unidos também já começavam a aparecer. Hoje, a expressão “Dia D” ficou tão popular que passou a ser utilizada para descrever dias decisivos no geral. Confira a entrevista completa com Marcos Guterman:

Serviço de Comunicação Social: O que foi o Dia D e qual foi o contexto histórico que levou a esse acontecimento?

Marcos Guterman: O chamado "Dia D" marca o dia do desembarque das forças Aliadas na Normandia (França), em 6 de junho de 1944, sob o comando do general norte-americano Dwight Eisenhower. O desembarque – chamado de Operação Netuno, parte da Operação Overlord, codinome da Batalha da Normandia – foi decisivo para retomar a França, então ocupada pela Alemanha nazista, o que era essencial para derrotar Hitler. Na ocasião, a Alemanha estava pressionada por sucessivas derrotas no front oriental, particularmente na luta contra a União Soviética. A situação alemã também era crítica na Itália, depois que Mussolini, aliado de Hitler, foi derrubado em 1943, e também no norte da África, crucial para o controle do Mediterrâneo e para o acesso ao petróleo do Oriente Médio. Assim, a derrota do Eixo, formado basicamente por Alemanha, Itália e Japão, era iminente, e a abertura de um novo front, na França, seria o passo lógico para acelerar esse desfecho numa guerra que fazia milhões de vítimas e arruinava economias ao redor do mundo. Mesmo diante da conclusão de que a derrota alemã estava à mão, a dimensão da Operação Netuno, que envolveu mais de 150 mil soldados, causou apreensão em alguns dos líderes Aliados, como Churchill, que temia um número excessivo de baixas. Mas esse não foi o único tópico, nem mesmo o principal, a dividir os Aliados. O maior problema talvez tenha sido administrar os egos dos comandantes e dos chefes políticos envolvidos, sobretudo do maior ausente, o general Charles De Gaulle, líder da chamada "França Livre". Quando a França caiu sob domínio nazista, em 1940, De Gaulle não aceitou o regime colaboracionista de Vichy e se tornou o chefe do governo francês no exílio. Mas era um general sem Exército, razão pela qual foi deixado de fora das tratativas para o Dia D e, por extensão, dos primeiros arranjos para a França no pós-guerra. De Gaulle só ficou sabendo do desembarque na Normandia dias antes, causando-lhe previsível irritação. Quando a França foi, afinal, libertada, fez um discurso em que deixou claro a quem pertencia aquela vitória: a Paris “indignada” e “martirizada”, disse ele, havia sido “libertada por ela mesma, libertada por seu povo, com a ajuda dos Exércitos da França, com ajuda e assistência de toda a França, da França que luta, da única França que existe, da França real, da França eterna!”. Nota-se que De Gaulle não fez nenhuma referência aos Aliados ou mesmo à Resistência Francesa. De onde se conclui que, para De Gaulle, só havia uma França a preservar e celebrar: a dele.

Serviço de Comunicação Social: Qual foi o papel do Dia D no fim da Segunda Guerra Mundial?

Marcos Guterman: O Dia D enfraqueceu ainda mais a Alemanha nazista ao obrigá-la a lutar num novo front enquanto enfrentava desgastes crescentes na guerra contra a União Soviética e perdia apoio essencial na sua vizinhança, especialmente na Itália. Hitler sabia que os Aliados tentariam retomar a França a qualquer momento, exatamente porque esse movimento seria estratégico para a derrota alemã. Por isso, ergueu na Normandia uma formidável defesa, que no entanto foi incapaz de conter uma das maiores operações de invasão da história das guerras. A maior resistência alemã se deu nos dias subsequentes, à medida que os Aliados avançavam, e foi feroz. A guerra só terminaria, oficialmente, em setembro do ano seguinte. A expressão "Dia D" passou a servir para caracterizar dias considerados decisivos, mas, no caso específico da Segunda Guerra, não é correto dizer que a Operação Netuno e a Batalha da Normandia foram as responsáveis, por si sós, pelo fim da guerra. Deve-se considerar que, naquela altura, os profundos revezes alemães na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) já faziam o regime de Hitler balançar. O Dia D, malgrado todos os seus méritos, apenas ajudou a acelerar a derrota nazista.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram as repercussões disso no pós-guerra?

Marcos Guterman: O Dia D foi tão relevante, no imaginário da época, que Eisenhower, comandante da Operação Overlord, elegeu-se presidente dos Estados Unidos poucos anos depois da guerra, em 1952. Nesse sentido, o Dia D serviu para que a indústria cultural norte-americana criasse a narrativa da liderança ousada dos Estados Unidos para o mundo do pós-guerra, em meio aos sinais cada vez mais evidentes, ainda antes do fim dos conflitos, de que haveria uma guerra fria entre norte-americanos e soviéticos, com o envolvimento de suas respectivas esferas de influência.



Marcos Guterman é doutor em História Social pela FFLCH. É jornalista profissional desde 1989. Trabalhou por 15 anos na Folha de S.Paulo. Desde 2006 está no jornal O Estado de S. Paulo, onde editou o website e a Primeira Página, e desde 2012 é editorialista. Obteve três Prêmios Folha de Jornalismo, categoria Edição. É professor de Jornalismo Político e Econômico na Faculdade Cásper Líbero. Foi professor de História Contemporânea na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É membro da Rede Internacional de Estudos dos Fascismos, Autoritarismos, Totalitarismos e Transições para a Democracia. É especialista em regimes totalitários, com ênfase em nazismo, além do regime militar brasileiro e da construção de identidade nacional. É autor dos livros Memória e Holocausto (2020), Nazistas entre Nós (2016) e O Futebol Explica o Brasil (2009), todos pela Editora Contexto. Venceu o Prêmio Jabuti de Literatura de 2017 com o livro Nazistas entre Nós, que ficou em segundo lugar entre os três laureados na categoria Reportagem.