Morte de Vladimir Herzog

Em 1975, o jornalista foi preso e torturado nas dependências do Departamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e, no dia 25 de outubro deste ano, foi morto

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Pedro Seno
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Segundo o professor Marcos Napolitano, "O impacto da morte de Herzog foi enorme, até pela sua importância como jornalista premiado e profissional respeitado de uma TV pública" (Arte: Pedro Seno)

Nascido no antigo Reino da Iugoslávia, em 1937, Vladimir Herzog foi um jornalista e cineasta de origem judaica que fugiu das perseguições antissemitas da Europa, na primeira metade do século 20, para o Brasil. Naturalizado brasileiro, foi professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP e formado em Filosofia pela mesma Universidade. Ao longo de sua carreira premiada, também foi diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo.

No ano de 1974, o Brasil da Ditadura Militar empossou o General Ernesto Geisel como presidente. Sob o pretexto da derrota do governo nas eleições parlamentares daquele ano ter sido causada por uma “infiltração” de uma rede subversiva, a “linha dura” de repressão foi incentivada. Com esse efeito, a perseguição de aliados e membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ampliou-se para além daqueles suspeitos de participação em luta armada, atingindo profissionais da sociedade civil legalizada, como Herzog. 

Em 1975, o jornalista foi preso e torturado nas dependências do Departamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e, no dia 25 de outubro deste ano, foi morto. Contudo, até os dias de hoje, não se sabe se sua morte foi proposital ou acidental devido, por exemplo, a deslizes de torturadores. A análise das razões variam, pode ter sido um recado à imprensa ou mesmo um movimento da extrema direita para dificultar a política de distensão do governo Geisel, apoiada por parcela da mídia liberal da época.

De qualquer modo, o impacto de sua morte foi “enorme”, nas palavras do professor Marcos Napolitano. Desde greves estudantis em universidades paulistas até um “ato ecumênico na Praça da Sé conduzido por um pastor (Jaime Wright), um cardeal (D. Paulo Evaristo Arns) e um rabino (Henry Sobel)”, tendo sido “o primeiro grande ato público contra a ditadura depois do AI-5, reunindo cerca de 8 mil pessoas (3 mil dentro da Catedral)”. Em nome do fim dos aparatos de tortura e prisão política, bem como o fim das perseguições, os setores da sociedade foram incentivados a juntaram-se ao “coro da luta por direitos humanos”. Com repercussão internacional, a versão governamental do ocorrido como “suicídio” foi tida como uma “mentira grotesca”. Apesar da resistência do regime, a comoção ajudou a frear as prisões e assassinatos políticos, que continuou até 1977. Em 1978, a União foi oficialmente responsabilizada pela morte de Herzog. Hoje, seu nome é levado por uma instituição e um importante prêmio anual de direitos humanos.

Marcos Napolitano, professor do departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, concedeu entrevista ao Serviço de Comunicação comentando a repercussão da morte de Herzog para a história do país. Confira a entrevista completa abaixo:

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Vladimir Herzog?

Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: Herzog era um jornalista e cineasta premiado, nascido no antigo Reino da Iugoslávia, oriundo de família judia que fugiu das perseguições do antissemitismo na Europa dos anos 1930. Naturalizou-se brasileiro e construiu uma premiada carreira no jornalismo brasileiro, tornando-se diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo. Era formado em Filosofia pela USP e também foi professor de jornalismo na ECA.
 
Serviço de Comunicação Social: Qual foi o contexto histórico e político da sua morte? Por que ele foi assassinado?

Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: A morte de Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975, ocorreu no começo do Governo do General Ernesto Geisel, empossado em março de 1974, prometendo uma distensão política e abrandamento do furor repressivo e censório da ditadura. Ocorre que a derrota eleitoral do governo nas eleições parlamentares de novembro de 1974, atribuída a ação de uma rede subversiva infiltrada na imprensa e nas instituições, dominada pelos militantes do Partido Comunista Brasileiro, deu munição para a "linha dura" do regime iniciar uma grande onda repressiva aos militantes do PCB. Apesar do anticomunismo notório e paranoico da ditadura, as energias repressivas tinham se voltado para as organizações de luta armada. Além disso, a chamada "comunidade de informações" buscava justificar sua estrutura, depois da derrota da luta armada. Assim, a partir de 1974/1975, o PCB tornou-se prioritário para a repressão, caçando simpatizantes e militantes do Partido, incluindo aqueles que tinham vida civil e profissional legalizada, e não atuavam em nenhuma rede de ação armada. Na Assembleia Legislativa de São Paulo, deputados da ARENA, o partido oficial da ditadura, faziam campanha pela prisão de profissionais e funcionários públicos acusados de pertencer ao Partido. Além disso, alguns historiadores veem a morte de Herzog como tentativa da extrema direita da ditadura em criar dificuldades para a política de distensão do governo Geisel, sobretudo em relação à imprensa liberal que apoiava o projeto. Mas, até hoje, não se sabe se sua morte foi proposital, como um recado para a imprensa, ou um "acidente de trabalho" dos torturadores. Outros analistas veem sua morte como o despertar de amplas parcelas da sociedade civil contra a ditadura, que passaram a se articular em torno do tema dos Direitos Humanos e redemocratização com mais força moral.      

Serviço de Comunicação Social: Qual impacto (repercussão) a sua morte causou à época e o que ela deixa de legado nos dias atuais?

Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: O impacto da morte de Herzog foi enorme, até pela sua importância como jornalista premiado e profissional respeitado de uma TV pública. Houve uma grande consternação política, social e humana. Houve uma grande greve estudantil em protesto, em várias universidades paulistas. O ato ecumênico na Praça da Sé conduzido por um pastor (Jaime Wright), um cardeal (D. Paulo Evaristo Arns) e um rabino (Henry Sobel), foi o primeiro grande ato público contra a ditadura depois do AI-5, reunindo cerca de 8 mil pessoas (3 mil dentro da Catedral). O impacto na imprensa e em setores liberais da opinião pública foi igualmente forte, aumentando o coro da luta por direitos humanos e pelo fim das torturas a presos políticos. Além disso, houve repercussão internacional. A versão do governo de um suposto suicídio, com a foto de seu cadáver pendurado em uma janela, foi vista como uma mentira grotesca da ditadura. O governo ficou em uma situação bastante desconfortável junto a setores liberais com os quais ensaiava uma aproximação, mas optou por manter o comando militar do II Exército, ao qual o DOI-CODI paulista estava subordinado. Foi apenas com a morte sob tortura de outro militante menos conhecido do PCB, o operário Manuel Fiel Filho (janeiro de 1976), que Geisel demitiu sumariamente o comandante militar de São Paulo. Ainda assim, as torturas a presos políticos, embora tenham diminuído em ocorrências (sobretudo fatais), continuaram até 1977. Em 1978, um jovem juiz federal (Márcio de Moraes), resistindo às pressões da ditadura, declarou a União culpada pela morte de Herzog. O nome de Herzog batizou um Instituto com o mesmo nome e um importante prêmio anual na área de Direitos Humanos.


Marcos Francisco Napolitano de Eugênio é doutor (1999) e mestre (1994) em História Social pela Universidade de São Paulo, onde também graduou-se em História (1985). Atualmente é professor titular de História do Brasil Independente e orientador no Programa de História Social da Universidade de São Paulo (USP). Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e audiovisual.