Independência dos Estados Unidos

As Treze Colônias americanas conquistaram sua independência após uma série de tensões com a metrópole inglesa

Por
Pedro Fuini
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Independência dos Estados Unidos
"A movimentação dos colonos ingleses não pretendia inicialmente a Independência. O empenho era por representação e direitos políticos junto ao Parlamento inglês", afirma a professora Mary Anne Junqueira sobre as Treze Colônias. (Arte: Pedro Fuini)

Em 04 de julho de 1776, as Treze Colônias que formariam os Estados Unidos da América declararam sua independência da Inglaterra, sendo a primeira vez que uma colônia rompia com sua metrópole. Esse fato iria influenciar outros movimentos de independência pelo continente americano nos anos seguintes e seria seguido pela Revolução Francesa, em 1789, num contexto de circulação de ideais iluministas. 

Desgastes na relação das Treze Colônias e a Coroa inglesa levaram à Guerra da Independência, entre 1775 e 1783, quando houve o reconhecimento da vitória americana pelos ingleses. 

Entre 1756 e 1783, foi travada a Guerra dos Sete Anos entre ingleses e franceses pela posse de colônias na América. A guerra acabaria com a derrota da França e, para se recuperar dos gastos do conflito, a Inglaterra promulgou uma série de leis que afetaram a vida na colônia.

“Com o fim da guerra, a Metrópole demarcou seus territórios na América do Norte, ferindo interesses dos colonos que buscavam possibilidades fora das linhas demarcadas. Além disso, decidiu manter exército regular (red coats) na região e deliberou por aumento de impostos e taxas, criando descontentamento ao atingir igualmente interesses dos locais”, explica a professora Mary Anne Junqueira, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e especialista em História dos Estados Unidos.

A adoção dessas medidas levou representantes das Treze Colônias a se reunirem para reivindicação de seus direitos junto ao Parlamento inglês. Como explica Junqueira, “a movimentação dos colonos ingleses não pretendia inicialmente a Independência”. Entretanto, no Segundo Congresso Continental, na Filadélfia (Pensilvânia), diante da intransigência inglesa em atender essas reivindicações, foi aprovada a Declaração da Independência dos Estados Unidos. No mesmo ano, começou a Guerra da Independência, que terminaria em 1783, com o reconhecimento da independência americana pelos ingleses.

Confira na íntegra a entrevista concedida pela Professora Mary Anne Junqueira.

Serviço de Comunicação Social: Qual era o contexto político nas Treze Colônias e no mundo quando se iniciou o movimento pela Independência?

Mary Anne Junqueira: Penso que é preferível tratarmos do contexto político do Atlântico Norte. O Império Inglês nas Américas era mais descentralizado do que o espanhol e o português: a Inglaterra controlava 27 colônias na região. Treze delas se rebelaram. A movimentação dos colonos ingleses não pretendia inicialmente a Independência. O empenho era por representação e direitos políticos junto ao Parlamento inglês por um grupo organizado de colônias: justamente as 13 das colônias continentais. A crise entre estas e a Inglaterra teve lugar após a guerra Franco-Índia (1754-1763), quando os franceses estabeleceram alianças com determinados grupos indígenas insatisfeitos com os colonos. Juntos, lutaram contra a Inglaterra em obstinada guerra por possessões na América do Norte. Ao fim, os ingleses alcançaram a vitória graças à organização colonial e ao exército regular que atravessara o Atlântico para enfrentar os inimigos. Com o fim da contenda, a Inglaterra aumentou seus territórios na América do Norte, mas endividada, demandou esforços para suprir tal carência. A reforma atingiu todo o Império Britânico e jogou sombras sobre os laços entre colonos e Inglaterra.   

Com o fim da guerra, a Metrópole demarcou seus territórios na América do Norte, ferindo interesses dos colonos que buscavam possibilidades fora das linhas demarcadas. Além disso, decidiu manter exército regular (red coats) na região e deliberou por aumento de impostos e taxas, criando descontentamento ao atingir igualmente interesses dos locais.  Entre 1763 e 1775, os colonos e a Inglaterra travaram custoso confronto. Enquanto os primeiros impunham leis e regras, os segundos se rebelavam e recusavam-se a acatar o que a Metrópole decretava. Mesmo assim, a ideia de independência não surgiu imediatamente, ela foi construída aos poucos e a partir de debates locais e das negativas de Londres. Para se ter ideia, um ano antes da Independência, em  1775, os colonos organizados no que ficou conhecido como o Segundo Congresso Continental decidiram por um último apelo à Monarquia: enviaram emissário ao rei, confirmando  lealdade à coroa, porém com demanda para que o monarca atuasse em favor dos súditos do outro lado do Atlântico. Clamavam, portanto, pelo poder moderador do rei. O monarca não recebeu enviado, precipitando a assinatura da Declaração de Independência em 04 de julho de 1776. A Independência dos Estados Unidos da América foi a primeira a ocorrer no Novo Mundo, foi também claro sinal de que crise maior  se instalara — atingindo frontalmente o Antigo Regime europeu — na sequência claramente evidenciada pela Revolução Francesa de 1789 e Independências das colônias ibéricas no Novo Mundo nas duas primeiras décadas do século XIX. 

Serviço de Comunicação Social: Quais as consequências imediatas da Independência dos EUA?

Mary Anne Junqueira: Uma primeira consequência geral a destacar é o fato do Império inglês ter se dividido nas Américas. Como indicado, os ingleses mantinham 27 colônias na região que se alastravam do Canadá ao mar do Caribe. Com a emancipação das 13 colônias continentais, estava claro que o império perdera metade das suas posses na região. Ainda que as joias da Coroa nas Américas fossem as ilhas produtoras de açúcar no Caribe, a perda das 13 colônias abalou os alicerces ingleses.  

Em relação às ex-colônias continentais, a primeira consequência, e mais emergente, era resistir aos ingleses em conflito que durou sete anos. A Inglaterra definitivamente não aceitara perder metade das suas colônias nas Américas. A guerra durou até 1781, quando o general inglês Cornwallis depôs armas aos norte-americanos, auxiliados por franceses, em Yorktown. Apenas em 1783, nas negociações de paz de Paris, foi reconhecida formalmente a Independência.  

A segunda consequência referente ao futuro das ex-colônias foi complexa, custosa e requereu debates acalorados: criar um governo sem a figura real e que fosse plenamente reconhecido pela comunidade internacional, apesar do domínio das monarquias à época. A centralização monárquica contra a qual os ex-colonos lutaram deveria ser evitada a todo custo no novo arranjo. Ao fim e ao cabo, os norte-americanos formaram a primeira república representativa bem-sucedida dos tempos modernos. Decidiram por presidente civil a cada quatro anos e por legislativo com duas casas; ambos eleitos por colégio eleitoral. Em outras palavras, a  eleição era indireta, votava  o indivíduo proprietário. Não é demais sublinhar que tanto a Independência como a formação do Estado Nacional foram lideradas por uma elite escravocrata, empenhada em manter tal sistema.   

Ressalte-se que os norte-americanos não estavam preocupados com democracia, mas com os limites e possibilidades da República. Entretanto, à época, nada garantia que tal desenho republicano daria certo. A verdade é que nos seus primeiros anos, os Estados Unidos foram uma frágil república entre o Império Inglês ao Norte e Espanhol ao Sul, em diligência para consolidar a República recém-constituída.

Serviço de Comunicação Social: Como a Independência repercutiu nas Américas? A vanguarda do país contribuiu para sua posição de dominância no continente?

Mary Anne Junqueira: Antes de mais nada, é preciso destacar que os anos que seguiram à Independência das 13 colônias foram de inegável domínio inglês no planeta, inclusive na América Latina. Os Estados Unidos, como mencionado, se esforçaram no século XIX para cimentar o Estado Nacional que criaram. A devastadora Guerra Civil (1861-1865) entre Norte e Sul, responsável por cerca de 600 mil mortos, era a prova de que o Estado Nacional carecia ainda de consolidação. Após a Reconstrução de tal guerra interna, nas duas últimas décadas do século XIX, os Estados Unidos emergiram como possível potência ao lado do Japão e da Rússia. Somente durante a  Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a economia norte-americana superou a da Inglaterra. Apesar disso, a hegemonia mundial só foi alcançada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).  

As intervenções e influência dos Estados Unidos na América Latina acompanharam, grosso modo, essa ascensão. Nos últimos anos do século XIX, eles demarcaram a região do Caribe e da América Central como zona de segurança nacional com intervenções militares que duraram até 1933. Com relação à América do Sul, a região foi definida como área de influência dos Estados Unidos no século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial. Hoje, a influência — e pressão — política e cultural norte-americana toma não só o Hemisfério Ocidental, mas todo o globo. 

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Mary Anne Junqueira é Professora Associada do Departamento de História da FFLCH USP, sendo graduada em História (1994) e doutora em História Social (1998) pela mesma instituição. É especialista em História dos Estados Unidos e atualmente é coordenadora do Programa de Pós-graduação em História Social da USP.