Nascimento de William Faulkner

Faulkner é autor de contos e romances vistos como grandes realizações estéticas do modernismo da primeira metade do século 20

Por
Alice Elias
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William Faulkner
(Arte: Alice Elias)

Em 25 de setembro de 1897, nasceu o escritor norte-americano William Faulkner. Autor de obras como O Som e a Fúria (1929), Enquanto Agonizo (1930) e Luz em Agosto (1932), os romances e contos de Faulkner são considerados uma das maiores realizações estéticas do modernismo literário da primeira metade do século 20. 

As principais obras de Faulkner são um marco de experimentalismo e inovação, e frequentemente abordam temas como as contradições entre o indivíduo e a sociedade, problemas raciais e sociais, tensões afetivas, família e infância. Conversamos com Daniel Puglia, professor do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sobre o legado do escritor. Confira:

 

Serviço de Comunicação Social: Quem foi William Faulkner?

Daniel Puglia: William Faulkner nasceu em 1897 e faleceu em 1962. Seus romances e contos estão ligados ao modernismo literário da primeira metade do século 20 e são vistos como uma das grandes realizações estéticas desse período. Sua obra tem como temas a infância, a família, as tensões afetivas e a difícil relação que os seres humanos estabelecem com seu próprio passado. As contradições entre o indivíduo e a sociedade ocupam um lugar proeminente em sua escrita. Mas tudo isso ganha contornos ainda mais interessantes: suas narrativas são ambientadas numa conjuntura em que os problemas raciais e sociais do sul dos Estados Unidos perpassam todas as esferas da vida. 

Suas principais obras são reconhecidas, ainda hoje, como um marco em termos de inovação e experimentalismo estilístico. O romance O Som e a Fúria (The Sound and the Fury), de 1929, está dividido em quatro partes vistas sob a perspectiva de quatro diferentes narradores. A história, em sua totalidade, procura descrever a desintegração de uma tradicional família no sul estadunidense. Cada narrador tem um estilo e um modo específico de investigar a vida psíquica dos personagens. Já o romance Enquanto Agonizo (As I Lay Dying (1930) eleva esse procedimento a um patamar ainda mais complexo: inúmeros personagens intercalam suas vozes numa sequência de vários monólogos. Cabe aos leitores estabelecer as intrincadas ligações que retratam a saga de uma família sulista: são brancos, pobres e estão transportando o corpo da mãe que será enterrada. Ambos os romances entrelaçam fatores intersubjetivos e elementos socioeconômicos. 

Luz em Agosto (Light in August), de 1932, não acompanha, como os romances anteriores, a história de apenas uma família. Três personagens principais concentram as atenções da trama e suas vidas estão interconectadas sobretudo pelos problemas oriundos do racismo. Novamente com técnica apurada, Faulkner aborda a atmosfera violenta de uma sociedade marcada pelas cicatrizes da escravidão. Retomando procedimentos de romances anteriores, Absalão! Absalão! (Absalom, Absalom!), de 1936, utiliza diferentes focos narrativos para falar ao mesmo tempo sobre histórias individuais, sobre o sul dos Estados Unidos e sobre o próprio fazer ficcional: tudo isso constituindo um verdadeiro estudo estético a partir de materiais psicossociais. 

Talvez devido ao experimentalismo presente em tais obras, Faulkner não usufruiu de um sucesso imediato junto ao público. Influenciado pelas obras de Joyce e de Freud, e preocupado com o desenvolvimento de uma forma inovadora, seu prestígio junto à crítica especializada não garantia, no entanto, grandes vendagens. Durante quase vinte anos, em períodos intermitentes, trabalhou como roteirista em Hollywood. Escreveu, por exemplo, o roteiro para filmes famosos como À Beira do Abismo (adaptação de The Big Sleep, de Raymond Chandler) e Uma Aventura na Martinica (adaptação de To Have and Have Not, de Ernest Hemingway), ambos dirigidos por Howard Hawks. 

Em meados da década de 1940, com a publicação de uma antologia de seus escritos, Faulkner passou a desfrutar de uma circulação mais ampla nos Estados Unidos. Sua fama, especialmente na Europa, já estava mais consolidada. Além de vários prêmios importantes, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1950.

 

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Faulkner?

Daniel Puglia: A escrita de Faulkner demonstra uma extrema preocupação com o desenvolvimento de uma voz própria, afeita à renovação formal e ao experimentalismo estilístico. Utilizou o fluxo de consciência como recurso para a representação da mente e da memória. Também usou de maneira bastante proveitosa a criação, numa mesma obra, de várias vozes narrativas, algumas vezes complementares, outras vezes contraditórias. Isso confere complexidade e profundidade ao modo como apreendemos e entendemos as versões de algo que é narrado. Outro elemento que caracteriza sua obra é a utilização de narradores não confiáveis, fazendo com que os leitores tenham que manter olhos atentos, evitando uma atitude de passividade confortável e crédula.    

Vale ainda mencionar a criação de um território imaginário, a que deu o nome de Yoknapatawpha, como representação de um espaço onde transcorrem grande parte de suas narrativas. É largamente inspirado nas características do sul dos Estados Unidos, principalmente no período posterior à Guerra Civil e, portanto, carrega as consequências hostis da escravidão, da desigualdade e da exploração.

 

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente? 

Daniel Puglia: As contribuições literárias de Faulkner estão tanto no plano da forma quanto do conteúdo, mas talvez mais naquela do que neste. A utilização do fluxo de consciência, de várias vozes narrativas e de focos narrativos elaborados caminha de mãos dadas com uma retórica requintada, com extrema lapidação em termos gramaticais e lexicais. Trata-se sem dúvida da obra de um virtuose. Nesse sentido, sua prosa notoriamente carrega as marcas da sofisticação que muitos críticos julgam ser o parâmetro definidor da grande arte. Além disso, o impacto desse artesanato vistoso e um tanto quanto imoderado caiu nas graças de correntes da vanguarda literária europeia e latino-americana. 

Mas algumas perguntas somente poderão ser respondidas com o tempo. Será essa a melhor forma de abordar conteúdos como os problemas não resolvidos do racismo, da violência, do preconceito e de vários outros modos de opressão? Excessos formais não correm o risco de deixar em segundo plano questões fundamentais tanto para a vida quanto para a literatura? Isso caberá aos leitores do futuro decidirem.

Daniel Puglia é graduado em Administração de Empresas (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP) e em  Letras (FFLCH), com mestrado em Psicologia Social (Instituto de Psicologia da USP) e doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (FFLCH). Atualmente, é professor do Departamento de Letras Modernas da FFLCH e pesquisa as interconexões entre literatura, cultura, história e filosofia. É autor de Franz Kafka: uma imagem do artista (2005), Duas Margens (2007) e Charles Dickens: um escritor no centro do capitalismo (2008).