Golpe do Estado Novo

Presidente no poder desde 1930, Getúlio Vargas instituiu uma ditadura de 1937 a 1945

Por
Alice Elias
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Golpe do Estado Novo
"Houve algum avanço, alguma tênue democratização e talvez o exemplo mais importante seja a aprovação do voto feminino, em 1932. Mas não se pode dizer que se tratava de uma democracia com um mínimo de garantias para os cidadãos", afirma o professor Francisco Martinho. (Arte: Alice Elias)

 

Em 10 de novembro de 1937, o então presidente Getúlio Vargas instituiu uma ditadura por meio do Golpe do Estado Novo, vigente até 1945. O avanço de regimes antiliberais, corporativos e autoritários ao redor do mundo ajudou a sustentar a formação política de Vargas, no poder desde 1930, também antiliberal, autoritária e fincada no positivismo gaúcho.

Em âmbito nacional, o resultado da Constituinte de 1934 desagradou Vargas, que buscava se manter no poder. No ano seguinte, a aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN) foi uma das medidas adotadas para limitar avanços liberais e endurecer o autoritarismo. “O argumento para justificar o golpe se dá com a descoberta pelo governo de um suposto Plano Cohen, que se traduzia em uma articulação comunista para tomar o poder”, explica Francisco Martinho, professor de História Ibérica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: Qual o contexto anterior ao Golpe do Estado Novo em 1937? Como ocorreram as articulações e eventos que o concretizaram?

Francisco Martinho: Eu diria que há dois contextos anteriores ao golpe, um internacional e outro nacional. Embora, é claro, esses contextos dialoguem, não são estanques. Do ponto de vista externo, nós vivíamos a “Era dos Fascismos”, com o avanço de regimes antiliberais, corporativos e autoritários em países europeus como Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Áustria, Romênia, Polônia, entre outros. Assim, pode-se dizer que há uma crise do liberalismo que termina por chegar à América. Getúlio, claro, bebeu dessa fonte, ao mesmo tempo em que mantinha seus pés fincados em sua formação original, no positivismo gaúcho, ao mesmo tempo moderno e autoritário. Do ponto de vista interno, sendo um antiliberal, o resultado da Constituinte de 1934 desagradou muito ao presidente. Como disse há muitos anos o historiador Hélio Silva, Getúlio gostava de escrever em papel “sem pauta” enquanto a Constituição obrigava-o a escrever “com pauta”. É digno de nota que a escalada autoritária já começou antes, com a aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN) em 1935. Naquela conjuntura o mundo via-se dividido entre ideologias autoritárias/totalitárias que, no Brasil se manifestavam através da Ação Integralista Brasileira (AIB), à direita, e do Partido Comunista do Brasil (PCB), à esquerda. Assim, a conjuntura pós 34 foi de uma escalada de violência muito forte, protagonizada por esses grupos, daí o levante comunista de 1935 e a tentativa de golpe integralista em 1938. Ao mesmo tempo, é bom não esquecer, Getúlio era assessorado por importantes intelectuais e juristas pertencentes ao que chamamos de pensamento autoritário brasileiro, como Francisco Campos, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna. Portanto, nessa escalada de violência e manifestações de rua, Getúlio outorgou a Constituição de 1937, elaborada por Francisco Campos. É bom não esquecer, também, que o argumento para justificar o golpe se dá com a descoberta pelo governo de um suposto Plano Cohen, que se traduzia em uma articulação comunista para tomar o poder.

Serviço de Comunicação Social: Em sua análise, por que Vargas viu necessidade de endurecer o regime?

Francisco Martinho: Como disse antes, a formação política do Getúlio era antiliberal, autoritária e moderna. Por isso, ele considerava necessário um governo forte capaz de dirigir a modernização pela qual o Brasil clamava. É verdade também que as elites brasileiras viam com incômodo a adoção de políticas de cunho social, sobretudo aquelas voltadas para o mundo do trabalho. E repito, a Constituição de 1934 incomodou o presidente, que se via amarrado por ela. Claro que era necessário esperar por uma situação limite, para obter apoio entre as elites e mesmo popular. É curioso que, quando do golpe, as elites políticas e econômicas saudaram a atitude do presidente. Inclusive as elites paulistas, que gostam de se arvorar antigetulistas “desde criancinha”. Basta, para conferir, ver o editorial do jornal O Estado de São Paulo logo após o golpe. Portanto, essas elites se posicionavam a favor do autoritarismo, nesse sentido apoiavam o presidente; mas eram contrárias às políticas de cunho social e, nesse sentido, faziam-lhe oposição.

Serviço de Comunicação Social: O que diferenciou o Estado Novo de seu governo anterior?

Francisco Martinho: O governo anterior pode ser dividido em duas partes, uma antes e outra depois da Constituição de 1934. Num primeiro momento, no Governo Provisório, Getúlio foi tomando medidas já voltadas para o mundo do trabalho numa perspectiva corporativa e autoritária. No segundo momento, no Governo Constitucional, Getúlio buscou limitar algum avanço liberal com medidas restritivas, sendo a LSN a mais importante. Portanto, houve algum avanço, alguma tênue democratização e talvez o exemplo mais importante seja a aprovação do voto feminino, em 1932. Mas não se pode dizer que se tratava de uma democracia com um mínimo de garantias para os cidadãos.

Serviço de Comunicação Social: Por fim, como foi o declínio da figura de Vargas e de seu governo?

Francisco Martinho: Eu não falaria em declínio, mas em queda através de um golpe. Os protagonistas desse golpe foram militares que participaram do e apoiaram o Estado Novo, como os generais Góis Monteiro e Eurico Dutra. Com a derrubada do presidente e a marcação de eleições para 2 de dezembro de 1945, os trabalhadores se mobilizaram pela sua permanência, num intenso movimento de massas chamado Queremismo, “Queremos Getúlio”, era o slogan da mobilização. Esses trabalhadores, por certo, queriam democracia, mas temiam a perda dos direitos adquiridos durante a ditadura. Enfim, queriam eleições com Getúlio. Não por acaso, o candidato oficial, Eurico Dutra, só ganhou a eleição devido ao apoio do ex-presidente. Por isso, quanto a Getúlio, não há um declínio de sua imagem, mas, ao contrário, seu fortalecimento. Daí sua volta triunfal nas eleições de 1950.

Francisco Martinho é mestre em História Contemporânea pela UFF e doutor em História Social pela UFRJ. Atuou como Investigador Visitante junto ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa entre março e agosto de 2007 e entre fevereiro e agosto de 2017. Professor Livre Docente de História Ibérica junto ao Departamento de História da FFLCH, suas pesquisas se concentram na análise dos intelectuais, do pensamento conservador-autoritário e das identidades nacionais no Portugal Contemporâneo.