Nascimento de Rousseau

Com o Contrato Social, filósofo soube conciliar a liberdade individual e o poder do Estado

Por
Lara Tannus
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Rousseau
"Eu acredito que Rousseau contribuiu para um pensamento de esquerda, que percebia a desigualdade social como um problema a ser resolvido", explica a pesquisadora Maíra Costa (Arte: Renan Braz)

Em meio a um burburinho de ideias que se propagavam no século XVIII, quando a razão passou a permear a lógica humana, surgia um dos mais importantes pensadores da história. Jean Jacques Rousseau, autor de O Contrato Social, propagou ideias que questionaram modelos de sociedade e encontrou uma harmonia entre indivíduo e Estado. 

Segundo Maíra de Cinque Pereira da Costa, doutora em filosofia pela FFLCH USP, “ele rechaça a ideia de representação política e considera que cada um deve apenas representar a si mesmo em um processo legislativo”, contrariando muitos de seus contemporâneos.

Acreditando que o Homem nasce bom e que a sociedade o corrompe, as ideias de Rousseau influenciaram muitos autores que tentaram compreender e interpretar a estrutura que move o mundo ocidental.

Confira abaixo a entrevista com a doutora, que explica a importância do filósofo para a história e o papel de suas ideias em nossos dias:

Serviço de Comunicação Social: Por que Rousseau é uma figura importante para a história e quais impactos suas ideias tiveram no Iluminismo?

Maíra Costa: Rousseau é tido por muitos historiadores da filosofia como um outsider do Iluminismo. Ele é comumente colocado a parte dessa corrente como um filósofo pessimista em relação ao futuro da humanidade. Isso talvez se deva ao tom lamentoso com que escreve muito de seus textos e, em especial, o Discurso sobre a origem da desigualdade. Mas defendi, em minha tese, justamente o contrário, porque considero que Rousseau não apenas integrou o pensamento iluminista como também colaborou para  sua perpetuação até o século XX. 

O mais notável filósofo a inspirar-se em suas ideias talvez tenha sido Immanuel Kant, que o considerava um mestre em moral. Ao escrever um texto em resposta à pergunta: "o que é o Iluminismo?", Kant vai dizer que este é a saída do homem de uma condição em que meramente obedece para outra, em que cada um poderia em fim auto regular-se. Ora se não é essa a definição de liberdade de Rousseau encaminhando-se à posteridade...

Do ponto de vista dos acontecimentos históricos, é conhecida a grande influência do pensamento político de Rousseau nas insurreições que seguiram a sua morte. Com o Contrato Social debaixo do braço, seguiam os revolucionários franceses no afã de aplicar as suas máximas. Mas eis que o modelo ali expresso não se propunha a materializar-se e o atrito do ser com o dever se deu origem a uma verdadeira carnificina. 

Conhecedor das dificuldades da aplicação de seus conceitos no reino das práticas, Rousseau mostra que o trabalho daquele que pretende ordenar um Estado está na elaboração de uma constituição que torne os cidadãos tão livres quanto possam ser. Ele sabia que não haveria um conjunto de leis que fosse bom per se, de forma que o melhor seria aquele que mais se ativesse à vontade imanente de um determinado povo. Para colocar isso em prática, Rousseau sugere que um legislador estude, tal qual um arquiteto, o terreno sobre o qual pretende erigir seu edifício, levando em conta os costumes e instituições ali inscritos. Essas leis deveriam, então, passar pela aprovação popular em assembleia para que fossem finalmente promulgadas. Bem diferente de uma guilhotina, não é? 

Serviço de Comunicação Social: Como você explicaria a ideia de contrato social para um leigo?

Maíra Costa: A proposta de contrato social desenvolvida por Rousseau  responde a uma questão fundamental no campo da ética e da filosofia política, a saber, como conciliar liberdade individual e o poder Estatal. Enquanto alguns filósofos consideram que haverá sempre conflito entre esses dois polos, Rousseau encontra uma saída em que a liberdade individual está em harmonia com a obediência em relação às leis. 

Ele rechaça a ideia de representação política e considera que cada um deve apenas representar a si mesmo em um processo legislativo. Estando os cidadãos suficientemente informados e deixados a sua própria consciência, estes seriam capazes te escolher unanimemente as leis que os irão reger dali em diante. Ao escolherem as leis de seu Estado, os cidadãos obedeceriam, não as leis de terceiros, mas as suas próprias. 

Serviço de Comunicação Social: Quais impactos das ideias de Rousseau na construção ideológica de correntes políticas?

Maíra Costa: Há quem diga que, se Rousseau fosse vivo, ele seria um republicano estadunidense. Ou ainda que sua teoria iria desembocar em uma supressão do individual pelo coletivo, o que o tornaria um fascista. Eu prefiro acreditar que ele tenha contribuído para um pensamento de esquerda, no sentido em que percebia a desigualdade social como um problema a ser resolvido. Além disso, sua postura incontestavelmente libertária tornaria difícil situá-lo como um pensador de matiz totalitária. 
 Nesse sentido, creio que, se Rousseau estivesse entre nós, integraria a luta dos marginalizados, fazendo valer seus princípios de igualitarismo e fraternidade