Nascimento de Grande Otelo

Considerado o principal ator do século 20, Grande Otelo possui uma carreira que atravessa a história do cinema brasileiro

Por
Pedro Fuini
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Grande Otelo
Para Luis Felipe Kojima Hirano, a importância de Grande Otelo "reside no fato de ele ser um dos poucos atores negros que atuou ao longo do cinema brasileiro no século 20, o que permite observar a história do racismo e também do anti-racismo no campo cinematográfico". (Arte: Pedro Fuini)

Ator de cinema, teatro e televisão, além de compositor e poeta, Grande Otelo foi um um dos primeiros artistas negros a obter notoriedade nacional. Ele nasceu em 18 de outubro de 1915, em Uberlândia (MG), como Sebastião Bernardes de Souza Prata. Recebeu seu apelido no período em que teve aulas na Companhia Lírica Nacional, onde seu maestro disse que, pela sua voz de tenor, ele cantaria um dia a ópera Otelo, de Giuseppe Verdi. Assim, tornou-se “Pequeno Otelo”; quando atingiu fama, a mídia passou a chamá-lo de “Grande Otelo”. É considerado o principal ator de cinema do século 20, com uma carreira que atravessou a história do cinema brasileiro dos anos 1930 aos 1990. 

De acordo com Luis Felipe Kojima Hirano, doutor em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a importância do ator se deve ao fato de ele ser um dos poucos negros a atuar no cinema no período, “o que permite observar a história do racismo e também do anti-racismo no campo cinematográfico”.

Grande Otelo foi tema da tese de doutorado de Hirano, que procurou narrar a história do imaginário racial no cinema brasileiro por meio da trajetória do artista. O pesquisador quis trazer a perspectiva de um ator negro por considerar que a história tem sido narrada largamente a partir do ponto de vista dos diretores e produtores brancos. Por fim, Hirano explica que ao se valer da perspectiva do ator (seu corpo, raça, gênero e sexualidade), é possível articular diferentes momentos, gêneros e movimentos cinematográficos no cinema brasileiro. Leia a entrevista completa de Hirano ao Hoje na História.

 

Serviço de Comunicação Social: Quem foi Grande Otelo?

Luis Felipe Kojima Hirano: Grande Otelo foi um ator de cinema, teatro, televisão, compositor de sambas e poeta extremamente conhecido entre os brasileiros que viveram ao longo do século 20. Negro e de baixa estatura, de origem pobre da atual cidade de Uberlândia, fez sucesso no Companhia Negra de Revistas na década de 1920, foi tutorado por uma família abastada de São Paulo até ganhar destaque no Cassino da Urca, nos Teatros de Revistas e, principalmente no cinema. Apesar do reconhecimento internacional por sua trajetória cinematográfica, no final da vida deixou poucos bens e tinha como principal fonte de renda a sua atuação em um papel estereotipado na Escolinha do Professor Raimundo, programa de comédia da Rede Globo.

 

Serviço de Comunicação Social: Qual foi a importância do ator para o cinema brasileiro?

Luis Felipe Kojima Hirano: Grande Otelo foi o principal ator de cinema do século 20. Embora, na maioria das vezes tenha atuado como coadjuvante, ele é o único ator que atravessou a história do cinema brasileiro deixando uma marca indelével dos anos 1930 aos 1990, em filmes da Cinédia e Sonofilmes (entre 1930 a 1940), em It’s all true, projeto inacabado de Orson Welles no Brasil (1942), em produções do realismo carioca, nas chanchadas da Atlântida (1940-1950), no Cinema Novo e no Cinema Marginal (1960-1980). Além disso, sua importância reside no fato de ele ser um dos poucos atores negros que atuou ao longo do cinema brasileiro no século 20, o que permite observar a história do racismo e também do anti-racismo no campo cinematográfico.

 

Serviço de Comunicação Social: Você pode nos contar sobre a tese de doutorado que desenvolveu acerca de Grande Otelo?

Luis Felipe Kojima Hirano: A minha tese de doutorado teve ao menos três objetivos: 1) narrar a história do imaginário racial no cinema brasileiro por meio da trajetória de Grande Otelo, uma vez que foi um ator que atravessou os principais momentos do cinema brasileiro do século 20; 2) Narrar a história do cinema do ponto de vista de um ator negro, uma vez que a história tem sido narrada largamente a partir do ponto de vista dos diretores e produtores brancos; 3) Narrar a história na perspectiva do ator (seu corpo, raça, gênero e sexualidade) e observar como a partir dessa visada é possível articular diferentes momentos, gêneros e movimentos cinematográficos no cinema brasileiro. Vale lembrar que os estudos de cinema, em geral, ao menos na época em que fiz a tese, se concentravam em um momento específico, ou em um movimento ou gênero cinematográfico particular, havia poucos trabalhos que buscavam essa visada transversal. Quando tinham esse olhar transversal, se concentravam nos diretores dos filmes e não no ator, que historicamente sempre foi visto como alguém submetido ao poder dos diretores, produtores e estúdios de cinema.

Luis Felipe Kojima Hirano é professor adjunto de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Possui bacharelado em Ciências Sociais, doutorado em Antropologia Social e pós-doutorado pela FFLCH. Tem experiência na área de Antropologia, com especialidade nos estudos sobre Antropologia Visual, Antropologia da Percepção, trajetórias sociais e nos debates que envolvem a intersecção entre raça/etnia, gênero e corpo. Sua tese de doutorado está disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.